A morte vai ensinando algumas coisas estranhas. Por exemplo: anos atrás descobri que os corpos ou os restos mortais não ficam para sempre no cemitério. A taxa que se paga é por um tempo e tem um dia específico que a família do finado deve aparecer por lá para recolher o que sobrou de dentro do caixão.
Pois fiquei sabendo disso em uma história familiar. Meu avô Mário foi para o saco e anos depois as suas três filhas, uma delas minha mãe, foram realizar o ato citado acima. Meu pai acompanhou tudo em silêncio porque precisava respeitar o momento: era o reencontro delas, as filhas, com o pai, algo bonito, cheio de significado.
Claro que os funcionários do cemitério estão pensando em outras coisas naquele momento e não estão tocados por mais um dos 14 corpos que eles retirarão no dia. Um puxão forte e o caixão se abre embaixo: toda a ossada do meu avô vai ao chão para desespero das três irmãs. Como era uma leve ladeira, o crânio do vô rolou abaixo. O que ele não esperava era a categoria do meu pai que “matou” a cabeça do Seu Mário como se “mata” uma bola de futsal. Meu pai virou um Ortiz, um Manoel Tobias do cemitério do Alegrete.
Sempre que essa história é contada em casa lamento não ter vivido o momento. A mistura de choro e riso deve ter sido emocionante e eu perdi. Tanto que já combinei que restos mortais da minha família sou eu quem cuido!
Lembrei da cabeça do vovô ao acompanhar agora o transporte ‘São Borja, Santa Maria e Brasília’ de Jango Goulart. A família e a história do Brasil querem saber: ataque cardíaco ou envenenamento? Especialistas dizem que 37 anos depois da morte nem a tecnologia de uma exumação pode provar algo. Há indícios de perseguição nos anos 60 quando Jango pairava por Argentina e Uruguai. E também existiam os três remédios para pressão alta, carne gorda, dois maços de cigarro por dia, uísque. Acompanhemos atentos. Não se brinca com essa ditadura militar.