sexta-feira, 29 de julho de 2011

Vandalismo: Desenhos pré-históricos no Piauí exibem marcas de tiros



Numa disputa com o governo federal, de quem espera receber recursos para manter, nos rincões do Piauí, um museu a céu aberto com desenhos rupestres de até 50 mil anos, segundo a Unesco, a arqueóloga paulista Niède Guidon faz alarde sobre as marcas de tiros nas pinturas.

A pesquisadora diz temer pela segurança dos 300 sítios arqueológicos e 25 mil pinturas rupestres que descobriu, em 1970, no parque nacional da Serra da Capivara.

E afirma que o vandalismo foi praticado "há três anos", supostamente por caçadores.

Já o ICMbio, órgão federal que deveria zelar pela área, contesta: diz que as pinturas foram violadas há dez anos. 

Isolado, esse sítio arqueológico que conta a história de homens ancestrais fica numa paisagem semiárida e exibe curiosas formações rochosas areníticas, cânions e encostas escarpadas.

Há 19 anos, Niède Guidon cuida desse achado arqueológico no parque nacional.

O local se tornou patrimônio cultural da humanidade, um título concedido pela Unesco, em 1991.

Tensa, a relação entre a pesquisadora e as autoridades está num momento crítico. Ela declara que as obras do aeroporto internacional de São Raimundo Nonato (PI) têm ritmo lento há 11 anos.

E credita a morosidade "a desvios de verbas públicas".

"São diversas as figuras humanas com marcas de balas; acho que o Brasil está deixando de lado um patrimônio que tem um valor imenso e que pode mudar a história do Piauí", diz Guidon.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida por ela à Folha por telefone:

Folha - Há pinturas da Pré-História no parque que datam de quase 30 mil anos. Quem danificou esse patrimônio?

Niède Guidon - Os caçadores. Ou outras pessoas, eu não posso dizer com exatidão; mas estão brincando de atirar nas figuras. São diversas figuras humanas, desenhos pré-históricos, que estão com marca de tiros.

Quando a sra. notou os tiros?

Eu comecei a ver, mas, por problemas de saúde, não vou todo o dia aos locais: são mais de 1.800 sítios [o site da Unesco, whc.unesco.org/en/list/606, menciona mais de 300]. Há três anos comecei a ver isso, os tiros foram registrados na mesma época. Costumava ir lá todos os dias, mas agora já não posso, por problema de saúde.

Autoridades foram informadas dos danos às pinturas?

Sim, informamos. Em São Raimundo Nonato há escritório do Iphan [o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional]. Comunicamos a eles, mas a representação aqui não pode fazer nada, há só uma pessoa, com pouco recurso governamental. 

Foi aberta uma queixa na polícia sobre os tiros nas pinturas?

Não, não adianta reclamar na polícia. A polícia mal dá conta do que se tem a fazer na cidade. As autoridades em geral moram na capital, Teresina, ficam poucos dias aqui. O Piauí funciona desse jeito. Não adianta dar parte...

Agora estão falando na criação de um batalhão ambiental, mas se fala disso há tempos. Aparentemente, o governo não tem dinheiro.

E quanto à Unesco, ela está ciente da situação?

Também já passei as informações para a Unesco, que não pode interferir num assunto nacional. Mas podem tirar o título de patrimônio. Não se fala disso, porque enquanto pudermos aguentar, ficamos. O Brasil está deixando de lado um patrimônio que tem um valor imenso, que pode mudar a história do Piauí.

Existe a possibilidade de vocês saírem do parque?

Se não houver dinheiro, não tem como fazer. O parque é imenso, 250 km de perímetro, precisa de R$ 5 milhões [o parque recebeu a metade disso no ano passado].

O problema é o aeroporto. Nosso projeto é autossustentável, mas depende do aeroporto para funcionar. Em 1996, conseguimos que o governo federal construísse um aeroporto. No ano seguinte, foi a primeira liberação de verbas, mas não sei por que cargas-d'água o governo manda as verbas para o governo do Piauí. Esse dinheiro sumiu, foi usado na campanha eleitoral de 1998. A obra só foi iniciada em 2004.

Os turistas reclamam da dificuldade de chegar. As estradas aqui são perigosíssimas, estreitas, cheias de buraco. É uma aventura vir para cá e nossos turistas são geralmente pessoas de certa idade.

Não há dinheiro suficiente para manter o parque, nem gente. Pessoas capacitadas também deveriam ser mandadas para o interior.

Qual seria a solução para a questão do aeroporto?

A presidente Dilma privatizou vários aeroportos. Se conseguíssemos privatização, aí pronto, estaria tudo salvo. Como o parque é um destino turístico que poderia receber turistas na Copa de 2014, há empresas estrangeiras que estão interessadas em construir hotéis aqui e em terminar o aeroporto.

Existe contrapartida das autoridades sobre a privatização?

Não sei, estamos aguardando uma definição. Espero que a administração federal tenha bom senso para privatizar o terminal e desenvolver o turismo arqueológico e natural daqui.

Se a verba cessar, o que acontece com a manutenção?

O parque nacional da Serra da Capivara acaba, não há como mantê-lo. Tínhamos R$ 8.000 em caixa; nossa salvação foi a Petrobras, que nos depositou dinheiro por meio da Lei Rouanet. Temos verba para três meses.

O que a sra. ganha com a manutenção do parque?

Não ganho nada; sou aposentada pelo governo francês. Não se pode destruir isso. O que nos faz lutar é o sentimento de que não pode se perder esse patrimônio.

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