Brasil lidera ranking de medo de tortura policial
Nos últimos três anos, denúncias de violência por agentes do governo aumentaram 129%
Trinta anos depois da assinatura da
Convenção Internacional Contra Tortura da ONU por 155 países, entre
eles o Brasil, a grande maioria dos brasileiros ainda teme por sua
segurança ao serem detidos por autoridades, revela um relatório
divulgado nesta segunda-feira pela ONG de defesa de direitos humanos
Anistia Internacional.
Quando
questionados se estariam seguros ao serem detidos, 80% dos brasileiros
ouvidos pela ONG no levantamento discordaram fortemente. Trata-se do maior índice dentre os 21 países analisados no estudo e quase o dobro da média mundial, de 44%.
“É
um índice chocante que revela a percepção social em torno da tortura”,
diz Erika Rosas, diretora para Américas da Anistia Internacional, à BBC
Brasil.
“Não podemos dizer que a
tortura é uma prática sistemática no Brasil como em outros países, mas
temos documentado diversos casos preocupantes.”
Impunidade
No
levantamento, que ouviu 21 mil pessoas em todo o mundo, o México ficou
num distante segundo lugar, com 64% dos participantes respondendo temer a
tortura por autoridades. Turquia e Paquistão empataram na terceira
posição, com 58%.
O Reino Unido (15%), a Austrália (16%) e o Canadá (21%) foram os países onde este medo é menor.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Wadih Damous, diz não se surpreender com a posição do Brasil no ranking.
“A
tortura persiste porque houve a impunidade com a anistia dos agentes da
ditadura que a praticaram. Isso gera um salvo conduto para as
autoridades atuais”, afirma Damous.
“A violência policial é perceptível e está enraizada nas políticas de segurança pública do país.”
Nos últimos três anos, o número de denúncias dos atos cometidos por agentes do governo no país cresceu 129%.
Entre
2011 e 2013, foram relatados 816 casos por meio do Disque 100, da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos, envolvendo 1.162 agentes do
Estado.
Avanço
É preocupante que governos usem tortura como ferramenta de combate ao crime, diz ONG
Damous
aponta como avanço nesta questão a aprovação no Congresso Nacional do
Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que prevê entre
outras medidas a permissão para que peritos independentes tenham acesso a
prisões e hospitais psiquiátricos para avaliar o tratamento dado a
detentos e pacientes.
“Hoje, os peritos policiais se sentem coagidos por colegas a mudarem seus laudos”, afirma Damous.
Rosas,
da Anistia Internacional, diz que o sistema aprovado no país é
louvável, mas que é agora preciso colocar essa política em prática.
Atualmente, o comitê de peritos ainda precisa ser nomeado pela presidente Dilma Rousseff.
“É preciso treinar as forças de segurança e criar leis secundárias para dar apoio a este sistema”, afirma Rosas.
“Isso
deve ser feito especialmente em relação às manifestações que ocorreram e
ainda estão por vir com a Copa do Mundo, para garantir que os protestos
não sejam criminalizados e não colocar os manifestantes numa posição em
que possibilite que eles sejam detidos e talvez torturados. O mundo
estará de olho no Brasil neste período e a forma como o país lidar com
isso servirá de exemplo.”
Ao mesmo
tempo, de acordo com a pesquisa da Anistia Internacional, a maioria dos
brasileiros condena a tortura: 83% concordam que é preciso haver regras
claras contra esta prática e que elas violam leis internacionais e 80%
discordam que ela pode ser necessária em alguns casos para obter
informações para proteger a população.
“Isso
é como o racismo: ninguém declara abertamente apoio à tortura. Mas
percebemos que, em segmentos importantes da sociedade, bate-se palmas à
tortura ou ela é ignorada porque foi praticada contra criminosos. Isso
ocorre principalmente nas redes sociais, onde as pessoas costumam ser
mais honestas”, afirma Damous.
“A sociedade precisa fazer sua parte e colaborar, porque os policiais sentem-se legitimados por esta parte da população.”
Campanha
Juntamente com a pesquisa, a Anistia Internacional lançou uma campanha contra a tortura.
Em
seu relatório, a ONG afirma que, apesar de muitos países terem aceito a
proibição universal da tortura e vêm combatendo-a com sucesso,
diversos governos ainda usam tortura para extrair informação, obter
confissões forçadas, silenciar dissidentes ou simplesmente como uma
punição cruel.
Segundo
Rosas, da Anistia Internacional, é preciso dar fim à noção de que a
tortura é necessária para controlar os níveis de criminalidade.
“Falta
vontade política dos governos para punir quem pratica a tortura porque
ela é vista como uma prática aceitável para combater o crime”, afirma
Rosas.
Entre janeiro de 2009 e maio de 2013, a Anisitia Internacional teve conhecimento de torturas e maus tratos em 141 países.
Amarildo
Amarildo de Souza morreu após ser torturado por policiais
Apesar
de não fazer parte oficialmente desta estatística, o caso do pedreiro
Amarildo de Souza é citado nominalmente no lançamento da nova campanha
contra tortura.
Em 14 de julho de
2013, ele foi detido ilegalmente pela polícia militar na favela da
Rocinha, no Rio de Janeiro. Uma investigação concluiu que ele foi morto
por meio de tortura dentro de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)
instalada pela polícia na favela.
“Assim
como outros países dos continente, o Brasil tem um legado de violência
gerado pelas ditaduras, que usava a tortura como ferramenta de opressão.
É muito preocupante que, em 2014, autoridades sigam torturando”, afirma
Rosas.
Vinte e cinco policiais acusados de terem envolvimento com sua tortura e morte estão atualmente em julgamento.
“O caso de Amarildo foi exatamente como ocorria na ditadura e mostra que a tortura não é coisa do passado”, afirma Damous.
“Talvez por causa da repercussão na internet e internacionalmente, ele tenha virado uma exceção, porque houve punição. A regra ainda é a impunidade.”
Fonte: Globo.com
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