O governo a reboque da mídia
Mais
um pouco, e o povo brasileiro, através da imprensa, estará pedindo
desculpas às grandes empreiteiras e outros fornecedores de obras e
serviços públicos. Pelo andar do noticiário e levando-se em conta alguns
artigos plantados aqui e ali, tem-se a impressão de que a Petrobras é
uma organização criminosa que achacou os pobres empreendedores com a
ajuda de uma quadrilha de coletores de dinheiro.
O ponto de partida desse movimento é o advogado do lobista apontado como
intermediário na distribuição de propinas milionárias. Na sua opinião,
sem “composição ilícita”, ninguém consegue fazer negócios com o Estado,
seja um complexo petroquímico ou um assentamento de paralelepípedos. O
portador do discurso dos empresários corruptores ganhou destaque em
todos os principais jornais – aFolha de S.Paulo ofertou quase uma página
inteira para sua aleivosia.
O mote ecoou por quase todos os outros advogados ouvidos pela imprensa, e
vem se juntar às alegações de que, se forem condenadas, as empresas
ficarão impedidas de fazer futuros contratos com todas as instâncias do
setor público, o que poderia congelar importantes obras em andamento e
inviabilizar futuros projetos de interesse municipal, estadual ou
nacional.
O fato de um delegado haver acusado sem fundamento o atual diretor de
Abastecimento da Petrobras, tendo que se retratar em seguida, está sendo
explorado como uma evidência de que outros suspeitos podem ter sofrido a
mesma injustiça. Paralelamente, corre no noticiário a versão de que
algumas confissões obtidas no sistema de delação premiada podem produzir
contradições nocivas ao processo, o que invalidaria denúncias já
tornadas de conhecimento público por meio dos vazamentos seletivos de
informações do inquérito. Ao mesmo tempo, os jornais acompanham os
esforços do governo federal e seus aliados para reduzir o impacto do
escândalo no funcionamento da máquina estatal.
Tudo isso vem nos principais diários de circulação nacional na
quinta-feira (20/11), feriado em que parte do Brasil comemora o “Dia da
Consciência Negra”.
Gabinete de crise
Na versão politicamente incorreta, a “consciência negra” era a definição
da má consciência, aquela que supostamente estaria motivando os autores
das delações. Mas, a julgar por declarações de advogados, políticos,
policiais e outros personagens do escândalo, todos os movimentos
conduzem a um propósito comum a todas as crises: minimizar os danos. O
governo quer um fôlego para renovar seu ministério, os políticos querem
seus nomes fora das listas de propina, os advogados querem a absolvição
ou uma pena mínima para seus clientes.
A imprensa parece sensibilizada com a possibilidade de a economia do
país vir a sofrer abalos no final do processo, principalmente se as
empresas envolvidas chegarem a ser condenadas, perdendo a condição de
idoneidade que lhes permite negociar com instituições públicas. Mas há
vozes discordantes, lembrando que não há punição sem perda, e que, no
caso das pessoas jurídicas, junto com o ressarcimento pelos danos
causados ao erário vem automaticamente a exclusão do clube seleto
daqueles que operam com o Tesouro.
Paralelamente, colunistas e repórteres com acesso à intimidade do
Planalto informam que o núcleo político do governo tem feito longas
reuniões em busca de uma estratégia para recuperar a imagem da Petrobras
e, por extensão, afastar os olhares inquisidores para outra direção.
Como é praxe desde a primeira posse de Lula da Silva, o comando petista
demonstra pouca habilidade para lidar com problemas de comunicação. A
começar da formação do “gabinete de crise”, composto apenas por gente
“da casa”, o resultado tem grandes possibilidades de produzir graves
erros de avaliação.
O escândalo envolvendo a estatal do petróleo é o desaguadouro natural do
sistema da corrupção modernizado pela Constituinte – origem do modelo
de organização partidária que não sobrevive sem a injeção constante de
dinheiro sujo. Nestes doze anos de predomínio do Partido dos
Trabalhadores, o sistema que foi usado por outros partidos se consolidou
como parte do processo de gestão.
Se ninguém tem coragem ou independência para dizer isso em voz alta no
tal “gabinete de crise”, o transatlântico do governo continuará sendo
conduzido pelo rebocador da imprensa em meio à tempestade.
Luciano Martins Costa
No OI
Texto replicado : CONTEXTO LIVRE
Nenhum comentário:
Postar um comentário