O que torna o Estado brasileiro vulnerável à corrupção?
Brasil vulnerável à corrupção.
Os cientistas políticos Matthew
Taylor, pesquisador do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center, em
Washington, e Daniel Gingerich, professor da Universidade da Virgínia, e
o especialista em combate à corrupção Daniel Kaufmann, presidente do
Natural Resource Governance Institute e ex-diretor do Banco Mundial,
apontam seis problemas principais e possíveis soluções.
1. Financiamento político
Os analistas afirmam que um componente importante nos escândalos recentes no Brasil é o fato de estarem ligados ao financiamento de campanhas e despesas operacionais de partidos políticos.
Os analistas afirmam que um componente importante nos escândalos recentes no Brasil é o fato de estarem ligados ao financiamento de campanhas e despesas operacionais de partidos políticos.
Kaufmann observa que as eleições no
Brasil estão entre as mais caras do mundo, com custo saltando de US$ 321
milhões em 2002 para US$ 3 bilhões em 2014.
"Os preços crescentes das campanhas
eleitorais e a falta de reformas no sistema de financiamento são fatores
determinantes de corrupção no Brasil", afirma.
Ele ressalta que mais de 95% do
financiamento é feito por empresas e que as exigências de divulgação de
dados sobre essas contribuições são limitadas.
Segundo Kaufman, é crucial avançar em
reformas que permitam que apenas indivíduos, e não empresas, façam
doações privadas para campanhas. Ele também cita outras medidas, como
alocar mais recursos públicos, garantindo maior igualdade de condições
aos candidatos, limitar gastos por candidatos, auditar a divulgação de
informações financeiras de partidos e candidatos e impor sanções aos que
não revelarem suas finanças. Também sugere que haja acesso igual e
gratuito a tempo de rádio e TV para cada candidato.
Gingerich se diz receoso em relação a algumas propostas de adotar um sistema de financiamento exclusivamente público, proibindo indivíduos ou empresas de contribuir.
"Isso pode fazer com que parte do
dinheiro que seria declarado às autoridades eleitorais não o seja mais,
gerando aumento no caixa dois", diz.
Gingerich observa ainda que um sistema em que o dinheiro público é relacionado à fatia de votos ou tamanho da bancada de um partido só vai barrar a corrupção se houver monitoramento eficaz. Caso contrário, pode até agravar o problema. "Se um partido aceita dinheiro de fontes ilícitas para sua campanha e não é pego, sua fatia de votos vai aumentar nas próximas eleições e, consequentemente, sua parcela de financiamento", alerta.
Gingerich observa ainda que um sistema em que o dinheiro público é relacionado à fatia de votos ou tamanho da bancada de um partido só vai barrar a corrupção se houver monitoramento eficaz. Caso contrário, pode até agravar o problema. "Se um partido aceita dinheiro de fontes ilícitas para sua campanha e não é pego, sua fatia de votos vai aumentar nas próximas eleições e, consequentemente, sua parcela de financiamento", alerta.
Kaufmann ressalta que em países com
sistemas de financiamento eleitoral bem-sucedidos, costuma haver duas
maneiras de controlar as campanhas: limitando contribuições e limitando
gastos.
"A segunda é a mais eficiente, e não
apenas limita quanto as campanhas podem gastar, mas também dá a
impressão de garantir igualdade de oportunidades aos candidatos",
afirma. Ele cita Bélgica, França, Irlanda, Polônia, Eslovênia, Áustria e
Grã-Bretanha entre os países que adotaram esse sistema, com graus
variados de sucesso.
2. Impunidade
A impunidade é outro fator citado por especialistas.
"O fato de a democracia brasileira não ter colocado um único político federal na cadeia até 2010 dá uma ideia do problema", diz Taylor, que é co-editor do livro Corrupção e Democracia no Brasil.
A impunidade é outro fator citado por especialistas.
"O fato de a democracia brasileira não ter colocado um único político federal na cadeia até 2010 dá uma ideia do problema", diz Taylor, que é co-editor do livro Corrupção e Democracia no Brasil.
Para o analista, a solução passa por
aumentar os "custos" de ser corrupto, fazendo com que os corruptos
saibam que certamente terão de pagar por suas ações. "Os custos da
corrupção são relativamente pequenos no Brasil. O fato de que cerca de
um terço dos congressistas nos últimos 20 anos, não importa sob qual
governo presidencial, não importa que partido esteja controlando o
governo, estão implicados em casos criminais, mostra isso."
Segundo Taylor, esse cenário também cria uma espécie de "ciclo perverso", porque com a permanência de corruptos no Congresso, é menos provável que haja reformas para acabar com a impunidade.
Segundo Taylor, esse cenário também cria uma espécie de "ciclo perverso", porque com a permanência de corruptos no Congresso, é menos provável que haja reformas para acabar com a impunidade.
Ele observa que houve avanços nas
últimas décadas, com a criação da CGU (Controladoria-Geral da União) e o
fortalecimento do Ministério Público, da Polícia Federal e do TCU
(Tribunal de Contas da União), mas lembra que os tribunais continuam
lentos e, muitas vezes, quando a investigação chega ao Judiciário, acaba
"emperrando". "O paradoxo de todas essas instituições se fortalecendo é
que isso deixa mais aparentes as fraquezas do Judiciário", afirma.
"Já vimos enormes ganhos institucionais
no Brasil nos últimos 30 anos, enormes ganhos legislativos, em termos de
novas leis para combater a corrupção. Se pudermos ver agora a
condenação e a remoção dos corruptos do sistema político, o Brasil
poderá entrar em um ciclo positivo", diz.
Taylor cita os Estados Unidos entre os países que conseguiram passar em relativamente pouco tempo de um estado altamente corrupto para uma realidade onde a corrupção foi reduzida.
Taylor cita os Estados Unidos entre os países que conseguiram passar em relativamente pouco tempo de um estado altamente corrupto para uma realidade onde a corrupção foi reduzida.
"Os EUA eram terrivelmente corruptos na virada do século passado."
Segundo Taylor, a mobilização da
sociedade civil por reformas e o trabalho da imprensa para expor a
corrupção estão entre os fatores que influenciaram as mudanças em seu
país.
3.Transparência
Apesar de relativamente bem colocado em termos de transparência, quando comparado com outros países, o Brasil ainda tem espaço para avançar nesse campo, dizem os especialistas.
Apesar de relativamente bem colocado em termos de transparência, quando comparado com outros países, o Brasil ainda tem espaço para avançar nesse campo, dizem os especialistas.
Entre as medidas que poderiam aumentar a
transparência, Taylor cita o estabelecimento de algum tipo de ação
voluntária em que parlamentares revelem detalhes sobre seus ganhos e
bens.
O analista menciona ainda o Sistema de
Freios e Contrapesos (ou controle mútuo entre os poderes) no Brasil. Ele
observa que, por exemplo, há grande controle mútuo quando se pensa em
Polícia Federal, CGU, TCU e Ministério Público.
No entanto, Taylor considera esse
sistema muito centrado no Executivo, onde observa uma certa briga por
poder. "Quanto mais houver controle mútuo, melhor. Mas o ideal seria que
fosse dividido mais equilibradamente entre Judiciário, Legislativo e
Executivo", diz.
4. Política local
Os especialistas ressaltam a importância histórica da política local no Brasil e como pode estar relacionada à corrupção.
Gingerich lembra que, historicamente, os municípios costumavam ser a unidade política fundamental e, ainda hoje, garantir o apoio de prefeitos, presidentes de associações de bairro e outros atores locais é crucial para o sucesso de políticos como governadores e deputados federais.
"Comprar seu apoio era caro, e geralmente exigia acesso a recursos do Estado."
Os especialistas ressaltam a importância histórica da política local no Brasil e como pode estar relacionada à corrupção.
Gingerich lembra que, historicamente, os municípios costumavam ser a unidade política fundamental e, ainda hoje, garantir o apoio de prefeitos, presidentes de associações de bairro e outros atores locais é crucial para o sucesso de políticos como governadores e deputados federais.
"Comprar seu apoio era caro, e geralmente exigia acesso a recursos do Estado."
Para Gingerich, a história de política
de base organizada ao redor da compra de apoios locais fica mais
evidente quando se observa o sistema eleitoral brasileiro, de
representação proporcional de lista aberta, em que candidatos a cargos
legislativos concorrem em Estados inteiros, em listas de partidos ou
coalizões.
"Tudo isso torna as campanhas caras, os
candidatos precisam pagar por cabos eleitorais, carro de som. Esse
sistema cria maior demanda por recursos para pagar por esses apoios
locais", diz Gingerich.
Taylor afirma que essas redes locais
apoiam umas às outras e funcionam como "panelinhas", não necessariamente
restritas a um partido, o que torna muito difícil removê-las. Para o
analista, o primeiro passo para combater a corrupção nesse cenário seria
remover os atores (corruptos) antes que ganhem maior relevância e
ampliem sua área de atuação.
Outro passo seria mostrar que o fato de operarem em conjunto é arriscado, fazendo uso de leis de combate ao crime organizado.
5. Serviço público
Segundo Gingerich, reduzir o número de indicados políticos para cargos públicos federais, destinando essas vagas para servidores concursados, poderia ser uma maneira de combater a corrupção.
Segundo Gingerich, reduzir o número de indicados políticos para cargos públicos federais, destinando essas vagas para servidores concursados, poderia ser uma maneira de combater a corrupção.
"A maioria dos burocratas brasileiros
são pessoas que passaram por concursos públicos, são profissionais, bem
treinados, disciplinados e comprometidos com uma vida dedicada ao
serviço público", ressalta.
"O desafio é que há milhares de cargos comissionados", diz. "Historicamente, essas posições
são parte do processo de negociação de coalizões entre o partido do
presidente e seus aliados. Não apenas no governo de Dilma Rousseff.
Sempre foi assim."
Nesse cenário, observa Gingerich, muitos
partidos brigam para conseguir posições que permitam maior controle
sobre recursos e sobre contratos.
"Os partidos e seus líderes sabem que, uma vez garantido o acesso a essas posições, eles têm o poder da caneta. O que se traduz em dinheiro para o partido, seja em doações declaradas ao TSE, seja em caixa dois."
"Os partidos e seus líderes sabem que, uma vez garantido o acesso a essas posições, eles têm o poder da caneta. O que se traduz em dinheiro para o partido, seja em doações declaradas ao TSE, seja em caixa dois."
6. Corrupção zero
Apesar de graves, os problemas de corrupção enfrentados pelo Brasil não são incomuns em comparação com outros países na região.
Argentina e México, por exemplo, também sofrem com partidos políticos envolvidos em esquemas de corrupção, afirma Gingerich. "Mas há, também, alguns casos excepcionais na região nos quais vale prestar atenção, como Chile, Uruguai e, em menor escala, Costa Rica, que conseguiram reduzir seus níveis de corrupção", destaca.
Apesar de graves, os problemas de corrupção enfrentados pelo Brasil não são incomuns em comparação com outros países na região.
Argentina e México, por exemplo, também sofrem com partidos políticos envolvidos em esquemas de corrupção, afirma Gingerich. "Mas há, também, alguns casos excepcionais na região nos quais vale prestar atenção, como Chile, Uruguai e, em menor escala, Costa Rica, que conseguiram reduzir seus níveis de corrupção", destaca.
Kaufmann ressalta que, apesar dos
esforços dos países, sempre haverá um pouco de corrupção. "Mesmo nos
melhores países, como na Escandinávia, há casos individuais de corrupção
de tempos em tempos", salienta.
Segundo Kaufmann, pode-se dividir os
países em três grupos em relação ao nível de corrupção. Nos dois
extremos, estão aqueles em que há baixo nível, com casos individuais, e
aqueles em que o problema é endêmico.
"No meio, está o Brasil, entre os países em que a corrupção é sistêmica, mas possível de ser combatida", diz.
Gingerich diz que não recomendaria a um
país tentar acabar completamente com a corrupção, já que os tipos de
controles necessários para atingir essa meta poderiam gerar tanta
ineficiência em termos de ações e gastos do governo que o resultado
poderia ser pior que o problema.
"A corrupção é ruim porque reduz a
eficiência dos gastos públicos. O dinheiro recolhido dos cidadãos por
meio de impostos não é usado de maneira eficiente em serviços e bens
públicos", afirma.
"Ao tentar reduzir a corrupção a zero,
há o risco de que as ineficiências geradas imponham dificuldades ainda
maiores aos cidadãos do que se tolerarmos um nível relativamente pequeno
de corrupção."
Fonte: BBC BRASIL
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