Proibir Lista Suja "enfraquece" combate ao trabalho escravo.
Direitos Humanos - A proibição de publicar o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecido como Lista Suja,
foi considerada por autoridades do governo federal, Ministério Público e
especialistas no tema como um “ataque” a um dos principais instrumentos
da política brasileira de combate a esse tipo de crime.
Instituída em 2003 e atualizada em 2004, a Lista Suja estava
disponível até o último dia 31 de dezembro no site do Ministério do
Trabalho, quando foi retirada do ar após liminar do presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowiski, acatando pedido da Associação das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).
A liminar foi concedida um dia antes da atualização semestral, feita pelo Ministério do Trabalho.
A lista contém os nomes dos empregadores flagrados submetendo
trabalhadores a condições análogas à escravidão e que não tenham
conseguido contestar o auto de infração.
Para o coordenador da organização não governamental Repórter Brasil e integrante da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo,
jornalista Leonardo Sakamoto, a proibição da divulgação da Lista Suja
se insere numa estratégica de “enfraquecimento” da política brasileira
de combate ao trabalho escravo.
“Quem se utiliza do trabalho escravo não fica impávido esperando para
ver o que acontece. Ele reage. Reage às fiscalizações e às punições. O
que aconteceu é que o sistema econômico brasileiro que se utiliza do
trabalho escravo está reagindo”, disse Sakamoto à Agência Brasil. Para
ele, a tentativa de enfraquecimento do combate ao trabalho escravo
também passa pela tentativa de “flexibilização” do que é considerado
trabalho escravo.
“É aquela coisa: já que não se consegue impedir o combate, vamos mudar o
conceito. Alguns setores querem alterar para diminuir o combate. [A
proibição da divulgação da Lista Suja] é também atentado à liberdade de
expressão, porque a Lista Suja nada mais é que uma base de dados de
transparência”, acrescentou Sakamoto.
Ossadas encontradas no Cemitério de Perus começam a ser identificadas.
Ossadas encontradas no Cemitério de Perus começam a ser identificadas.
O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do
Ministério da Trabalho, Alexandre Lyra, argumentou que o empregador
antes de ter o nome inserido na lista tem amplo direito de defesa,
podendo contestar o auto de infração lavrado pelos auditores fiscais do
trabalho. Por isso, ele considerou a proibição de divulgar a Lista Suja
um golpe no enfretamento ao trabalho escravo.
“Infelizmente, o Supremo determinou que retirássemos do site a oferta
desses nomes à sociedade. Estamos lutando para reverter a liminar, mas é
um duro golpe justamente pelo compromisso do Ministério do Trabalho em
dar ciência à sociedade desses nomes”, lamentou Lyra.
Apesar de respeitar a decisão liminar do STF, o procurador-geral
do Trabalho, Luís Antônio Camargo, prometeu “trabalhar arduamente” para
rever a decisão. “O Cadastro de Empregadores Infratores é um benefício
que a sociedade brasileira tem, nos ajuda a identificar as pessoas
físicas e jurídicas que estão sendo investigadas por manter
trabalhadores em condições análogas à de escravo. Esse é um absoluto
benefício para a sociedade – do Poder Público para a sociedade – na
erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil.”
“Não posso admitir que o dinheiro público – que o sistema financeiro que
opera com recursos públicos e que às vezes falta para áreas importantes
como saneamento e habitação – seja utilizado para financiar trabalho
escravo. A partir de fevereiro, com a volta das atividades do
Judiciário, vamos trabalhar arduamente para modificar essa decisão e
permitir que o Cadastro de Empregadores Infratores, conhecido como Lista
Suja, seja publicado, [para que] as pessoa tenham acesso à informação e
que o dinheiro público não seja utilizado para financiar a exploração
de trabalhadores no Brasil”, acrescentou o procurador-geral do Trabalho.
Em nota, a Abrainc explicou que o pedido de liminar foi feito por
considerar as portarias do Ministério do Trabalho que instituíram a
Lista Suja inconstitucionais, por “substituírem a competência
legislativa do Congresso Nacional, assim como o procedimento dessa inclusão desrespeitar o devido processo legal.”
A associação acrescentou que “tem trabalhado incessantemente para
promover o setor imobiliário, um dos maiores empregadores do país,
buscando, entre outros objetivos, o aprimoramento das relações de
trabalho". A Abrainc disse também em nota, que se posiciona
veementemente contra o trabalho em condições análogas à escravidão e que
"continuará envidando todos os seus esforços para a eliminação completa
[do trabalho escravo] em todos os setores da sociedade brasileira.”
Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil
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