Brasileiro executado na Indonésia acreditava que pena seria suspensa
Produtor trabalhava em documentário sobre a volta por cima de Archer.
Mãe de outro brasileiro condenado à morte faz apelo: ‘pagou o suficiente’.
A imprensa australiana divulgou uma cena, que é de um procedimento burocrático. Ela mostra um preso sendo chamado e informado sobre o processo dele. O que a cena fria não revela, mas qualquer um pode imaginar, é a angústia de um homem que teme ouvir: "Chegou a hora de morrer".
O trajeto até a ilha onde aconteceram as execuções deste sábado (17) é por uma estrada bastante estreita, cercada por campos de arroz. No transporte escolar, os alunos se amontoam no teto do ônibus.
O caminho de Marco Archer até à Indonésia começou em 2003. Os alertas estão em qualquer voo para a Indonésia. Nos cartões de imigração preenchidos por quem chega, letras grandes e vermelhas avisam: "Pena de morte para traficantes de drogas".
Em agosto de 2003, ele chegou de avião à capital Jacarta e desembarcou com 13,4 quilos de cocaína escondidos na armação de uma asa delta. Foi descoberto, preso e, em 2004, condenado à morte.
“Ele vivia aprontando. Foi expulso de várias celas.”, conta o músico Rogério Paez.
Por causa de um cigarro de haxixe, o músico Rogério Paez conviveu durante seis anos com Marco Archer em uma prisão Indonésia.
“Eu era um peixinho desse tamanho, o Marcos era um peixinho desse tamanho. Era só mega traficante chinês, nigeriano. Você olhava para o lado e eles te roubavam”, conta Rogério.
Rogério foi solto em 2011. “Quando eu tive que soltar ele dos meus braços para ir embora, a expressão dos olhos dele de ‘Rogerinho está indo embora’ foi uma cena que jamais vou esquecer”, lembra.
Durante dez anos, Marco acreditou que a pena seria suspensa.
O produtor e diretor de cinema Marcos Prado trabalha em um documentário que seria sobre a volta por cima de Marco Archer depois da prisão por tráfico. “Eu acreditava - tanto eu, quanto ele, quantos os amigos - que ele seria solto. Então eu conseguiria fazer um documentário que contasse um pouco da vida dele, essa experiência no presídio, essa experiência dramática de estar condenado a morte e conseguir sair”, afirma.
Mas em outubro de 2014, a mudança de governo na Indonésia selou o destino do brasileiro. O novo presidente, Joko Widodo, tinha prometido na campanha eleitoral aumentar a repressão ao tráfico.
A execução de Marco e de outros cinco traficantes foi marcada para o fim de semana.
A ilha de Nusakambangan é um paraíso ecológico que abriga quatro presídios, distante 400 quilômetros da capital.
Imagens de arquivo, antigas, da televisão da Indonésia mostram o local onde os condenados passam as últimas horas e. Em dias de execução, a movimentação em Nusakambangan não é de turistas, como costuma ser em fins de semana comuns.
Neste sábado, a todo momento saiam do porto parentes que estavam na ilha visitando os homens que serão executados. Em uma roda de jornalistas estava uma mulher, a esposa de um dos homens. Ela estava lendo a última carta do marido nigeriano, em que ele se queixa de que ninguém o ouvia. A mulher chorava durante a leitura.
Quando a equipe do Fantástico perguntou ao advogado do nigeriano se ele viu Marco Archer na prisão da ilha, ele diz que sim, que Marco ‘às vezes parecia nervoso, em outras ficava em choque, deitado’.
Perto da hora marcada, as balsas que partem para a ilha levam médicos e policiais. Faltava pouco. Quase sempre, as execuções acontecem à noite.
O condenado é acordado e levado para o local secreto onde será morto. Ele pode escolher se vai ficar em pé, sentado ou deitado. E também se quer ser vendado, encapuzado ou ficar de olhos abertos.
O chefe da brigada da polícia comanda um esquadrão com 12 soldados armados com rifles. Esses soldados, normalmente, são homens solteiros e sem filhos. Eles se posicionam a uma distância de cinco a dez metros do preso.
Os 12 atiram, ao mesmo tempo, no peito do condenado, mas apenas duas armas estão carregadas com balas de verdade. As outras armas estão com balas de festim, balas falsas, assim os soldados não sabem quem matou o condenado.
Se depois de levar dois tiros no peito, o condenado mesmo assim sobreviver, o chefe da brigada dá o tiro de misericórdia na cabeça.
“A minha vida não pode acabar dessa maneira. Uma maneira dramática, sendo fuzilado aqui na Indonésia”, disse Marcos em um telefonema.
Marco Archer Moreira morreu na Indonésia às 00h30, 15h30 de sábado, no horário de Brasília. De madrugada, o corpo dele chegou ao crematório.
As cinzas serão levadas pela tia dele para o Brasil. Muito abalada, ela não quis gravar entrevista.
Uma pessoa da família ou um representante precisa acompanhar a execução para reconhecer o corpo. Quem fez esse trabalho foi a vice-cônsul do Brasil em Jacarta, Ana Carmen Caldas. A pedido da tia de Archer, ela não quis comentar se houve um último desejo feito pelo brasileiro. Disse apenas que não ouviu choro ou desespero de nenhum condenado. E que no momento da execução havia um grande silêncio, quebrado depois pelo som dos tiros.
O plano do governo Widodo é executar cinco traficantes por mês. O governo indonésio pediu respeito às leis do país.
“O que nós estamos vendo é um crescente repúdio da comunidade internacional à adoção da pena de morte. Se deve sempre levar em consideração que a soberania não é um conceito absoluto, ela dialoga com os tratados internacionais, com os princípios acordados por diferentes pactos em relação aos direitos humanos”, afirma o diretor executivo da Anistia Internacional Átila Roque.
O mesmo governo que executa traficantes pede clemência para uma mulher indonésia condenada à morte por homicídio na Arábia Saudita. “É claro que isso é uma gritante contradição. Uma outra questão, no caso da Indonésia em particular, que vale a pena chamar a atenção, é que crimes muito mais graves na Indonésia, como atentados que mataram dezenas de pessoas, as pessoas responsáveis por esses atos foram condenadas a 20 anos, 20 e poucos anos de prisão, e não à morte”, ressalta Átila Roque.
O embaixador brasileiro na Indonésia, Paulo Alberto da Silveira Soares, foi chamado pelo Itamaraty, um sinal de insatisfação no meio diplomático. “Os parentes e membros da embaixada que estavam lá, dos outros países também, foi um tratamento incorreto, deselegante, impaciente, lá na prisão ontem”, afirma.
O governo da Holanda também convocou o seu embaixador.
“Esgotamos todo os mecanismos possíveis de assistência consular. Então, o desrespeito ao governo brasileiro na situação hoje parece grave”, ressalta Paulo Alberto da Silveira Soares.
No meio da crise entre os dois países, outro traficante brasileiro também está no corredor da morte. O paranaense Rodrigo Gularte, hoje com 43 anos, foi preso em julho de 2004 no aeroporto de Jacarta. Ele estava a caminho de Bali. Em uma entrevista gravada há cinco anos, e ainda inédita, a mãe de Rodrigo recorda como foi a despedida antes daquela viagem.
“Parece que ele estava prevendo alguma coisa. Na hora que eu fui levá-lo no aeroporto ainda, a última imagem que eu tenho dele, ele me abraçou muito e disse: ‘Mãe, eu te amo’. E na hora que ele foi assim, ele ainda me abanou e disse: ‘Mãe, não esqueça que eu te amo muito’”, contou Clarisse Gularte, mãe do paranaense.
Rodrigo levava seis quilos de cocaína escondidos em oito pranchas de surfe. Assumiu o crime e foi condenado à morte. Segundo a embaixada brasileira, a informação das autoridades da Indonésia é de que a execução pode acontecer nos próximos dois meses.
“Ele não tirou a vida de ninguém, e a gente torce para que ninguém tire a vida dele”, diz o amigo de Rodrigo Bernardo Guiss Filho.
A morte de Marco Archer aumentou a preocupação da família de Rodrigo, mas não tirou a esperança. Uma prima dele foi a Jacarta neste sábado na tentativa de visitá-lo na prisão e de pedir, mais uma vez, para que ele não seja executado. O segundo e último pedido de clemência para Rodrigo Gularte ainda não foi respondido pelo presidente da Indonésia.
Desde que Rodrigo foi preso, há mais de dez anos, a mãe dele, a Clarisse, já esteve oito vezes na Indonésia para visitar o filho na prisão e também na esperança de que ele ganhasse a autorização para retornar ao Brasil e poder cumprir a pena aqui.
Fantástico: A senhora esteve a última vez na Indonésia quando, dona Clarisse?
Clarisse Gularte: Em agosto.
Fantástico: E nessa última vez, vocês perceberam que ele estava diferente?
Clarisse Gularte: Não, essa última vez já foi um susto, porque a gente já tinha sabido, aqui no Brasil, que ele não estava bem de saúde. Mas sempre há aquela esperança, não, isso não é nada. Mas quando nós chegamos lá já disseram que ele estava na enfermaria.
Segundo a mãe, Rodrigo recebeu na prisão um diagnóstico de esquizofrenia, doença mental que provoca alucinações. De acordo com a embaixada brasileira, nesta segunda-feira (19) Rodrigo será examinado mais uma vez por um psicólogo na prisão.
“O objetivo é de transferi-lo da prisão para um hospital psiquiátrico, para que ele receba o tratamento adequado e para que ele possa, porque senão fica cada vez mais difícil. Eu reconheço que o Rodrigo errou, reconheço, mas acho que também a pena de morte... Não é um crime tão grave assim que ele fez. E ele está há mais de dez anos, eu acho que ele já pagou o suficiente. Então vamos nos apegar a isso, à esperança”, diz Clarisse Gularte.
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