O governador Eduardo Campos foi punido por fraude no sistema financeiro cometida nos anos 90 – uma nódoa que pode atrapalhar seus planos políticos
O governador de
Pernambuco, Eduardo Campos, é hoje um curinga no jogo da sucessão
presidencial de 2014. Depois de virar um protagonista da política
nacional, ele é cortejado tanto por petistas como por tucanos – os
adversários de sempre – como uma possível opção de candidato a
vice-presidente numa chapa para o Palácio do Planalto. Campos é visto
ainda como uma possível terceira via na disputa pelo Palácio do
Planalto, sustentada numa eventual aliança da esquerda não petista com o
PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
Eduardo Campos precisou de dez anos para montar o cacife que hoje lhe abre esse amplo leque de alternativas políticas. Em 1997, quando estreou no cenário político nacional, sua condição era bem diferente: ele teve de se defender numa CPI do Congresso Nacional que investigou um gigantesco esquema de fraudes com títulos públicos, conhecido como Escândalo dos Precatórios. Na ocasião, Eduardo Campos tinha 32 anos e era conhecido apenas como neto e herdeiro político do governador Miguel Arraes, um expoente da esquerda brasileira, de quem era secretário da Fazenda (naqueles tempos, o nepotismo ainda não era proibido por lei).
Eduardo Campos precisou de dez anos para montar o cacife que hoje lhe abre esse amplo leque de alternativas políticas. Em 1997, quando estreou no cenário político nacional, sua condição era bem diferente: ele teve de se defender numa CPI do Congresso Nacional que investigou um gigantesco esquema de fraudes com títulos públicos, conhecido como Escândalo dos Precatórios. Na ocasião, Eduardo Campos tinha 32 anos e era conhecido apenas como neto e herdeiro político do governador Miguel Arraes, um expoente da esquerda brasileira, de quem era secretário da Fazenda (naqueles tempos, o nepotismo ainda não era proibido por lei).
O
escândalo teve um custo político: Miguel Arraes disputou e perdeu a
reeleição, em 1998. Oito anos depois, Eduardo Campos conseguiu se eleger
governador de Pernambuco e exibiu na campanha sua absolvição no caso
dos precatórios pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com mais de 80% dos
votos, Eduardo Campos se reelegeu em 2010, numa campanha em que o
Escândalo dos Precatórios deixou de ser relevante.
Seus
adversários na campanha de 2010 dormiram no ponto. A absolvição pela
Justiça livrou Eduardo Campos do problema penal. Mas ele não conseguiu a
mesma certidão de “nada consta” em outro julgamento, de natureza
administrativa. ÉPOCA teve acesso a documentos inéditos que revelam que,
cinco anos depois da decisão do STF, Eduardo Campos e dois ex-diretores
do Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe), o antigo banco público de
Pernambuco, voltaram a ser julgados pelo Escândalo dos Precatórios. E,
desta vez, condenados. Em dezembro de 2009, o Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) julgou que o governador e Wanderley
Benjamin de Souza e Jorge Luiz Carneiro de Carvalho, ex-diretores do
Bandepe, cometeram “infração grave” na negociação irregular de títulos
públicos. O trio foi proibido de exercer cargos de direção na
administração de instituições fiscalizadas pelo Banco Central – como os
bancos públicos e privados. A punição, por um período de três anos,
vigorará até dezembro de 2012.
No
mercado, o CRSFN é chamado de Conselhinho. O diminutivo se aplica
apenas ao apelido. Na verdade, trata-se de um colegiado poderoso. Ele é
composto de oito conselheiros – quatro indicados pelo governo e outros
quatro de entidades de classe como a Febraban. São eles que julgam, em
segunda e última instância, recursos contra decisões sobre penalidades
administrativas aplicadas pelo Banco Central, pela Comissão de Valores
Mobiliários e pela Secretaria de Comércio Exterior. No ano passado, o
Conselhinho rejeitou um recurso do ex-banqueiro Salvatore Alberto
Cacciola contra a decisão do Banco Central que o proibiu de exercer
cargos em empresas financeiras por cinco anos.
No
julgamento do governador, o Conselhinho examinou as peças do processo
administrativo do Banco Central no 0101090149 e pareceres da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). O governador foi
condenado. Além de secretário da Fazenda, Eduardo Campos era integrante
do Conselho de Administração do Bandepe. Segundo a documentação, Campos
assinou documentos que permitiram o golpe financeiro, como secretário,
tinha conhecimento de toda a operação e permitiu, “ou deliberadamente
provocou”, o envolvimento do banco no negócio lesivo ao Estado. Alguns
conselheiros entenderam que, mesmo havendo provas da autoria das
infrações, pelo tempo decorrido não poderia mais haver punição porque as
irregularidades prescreveram. Prevaleceu, no entanto, a interpretação
de que o julgamento ocorria ainda em tempo hábil, e havia provas
suficientes para a condenação de Campos e dos dois ex-diretores do
Bandepe.
Essas
provas constam do processo administrativo, concluído em fevereiro de
2005 pelo Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros do
Banco Central. ÉPOCA também teve acesso a essa documentação. Ela
descreve com minúcias como foi montada a fraude. A fórmula da negociata
foi criada em São Paulo por Wágner Batista Ramos, coordenador da Dívida
Pública da prefeitura paulistana na gestão de Paulo Maluf (1993-1997) – e
exportada país afora. A jogada valia-se de uma brecha aberta por uma
emenda constitucional de março de 1993. Aprovada para impor controle à
farra financeira que vigorava em Estados e municípios, a emenda proibiu
novas emissões de títulos públicos estaduais e municipais até 31 de
dezembro de 1999. Ela abriu, no entanto, uma exceção para a emissão de
títulos destinados ao pagamento das dívida resultantes de sentenças
judiciais – conhecidos como precatórios – que estavam pendentes em 5 de
outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
AS TRÊS FASES DA FRAUDE
A fraude, de acordo com o método desenvolvido por Wágner Ramos, começava com a emissão de títulos públicos em valores muito acima das dívidas reais. O segundo passo era vender esses papéis supervalorizados com grandes descontos a um banco privado. O terceiro passo era combinar com vários intermediários a negociação sucessiva dos títulos. Eles realizavam compras e vendas no mesmo dia (operações conhecidas no mercado como day trade) a preços crescentes. Isso permitia ganhos imediatos aos participantes, pois quem comprava revendia a um valor maior ao elo seguinte da cadeia. Os intermediários agiam como laranjas e, muitas vezes, nem sequer tinham capital compatível para comprar títulos com os valores envolvidos. No fechamento da operação, no mesmo dia aparecia um comprador final capitalizado, geralmente um fundo de investimento ou de previdência privada. Bastava a esse último comprador pagar pelo título menos do que o governo pagaria ao saldar a dívida para ter lucro também.
A fraude, de acordo com o método desenvolvido por Wágner Ramos, começava com a emissão de títulos públicos em valores muito acima das dívidas reais. O segundo passo era vender esses papéis supervalorizados com grandes descontos a um banco privado. O terceiro passo era combinar com vários intermediários a negociação sucessiva dos títulos. Eles realizavam compras e vendas no mesmo dia (operações conhecidas no mercado como day trade) a preços crescentes. Isso permitia ganhos imediatos aos participantes, pois quem comprava revendia a um valor maior ao elo seguinte da cadeia. Os intermediários agiam como laranjas e, muitas vezes, nem sequer tinham capital compatível para comprar títulos com os valores envolvidos. No fechamento da operação, no mesmo dia aparecia um comprador final capitalizado, geralmente um fundo de investimento ou de previdência privada. Bastava a esse último comprador pagar pelo título menos do que o governo pagaria ao saldar a dívida para ter lucro também.
Na negociação dos títulos públicos de Pernambuco, os lucros foram para doleiros
No
caso de Pernambuco, dívidas vencidas de R$ 234.618,05, pendentes em 5
de outubro 1988, viraram justificativa para o Estado emitir, entre junho
e novembro de 1996, R$ 480 milhões em títulos estaduais. O objetivo
alegado era o governo pernambucano captar dinheiro no mercado para os
débitos pendentes. Na ponta do lápis, os papéis emitidos pelo Bandepe
representaram 2.045 vezes o montante das dívidas vencidas.
O
Banco Vetor foi o primeiro a comprar os títulos, com descontos que
variaram de 20,32% a 31,59%. A escolha desse banco foi feita sem
licitação, sob o argumento da “notória especialização”. A investigação
do Banco Central derrubou a tese, pois o Vetor contratou o próprio
Wágner Ramos, por meio da corretora Perfil, para montar toda a operação.
Além disso, os editais de venda dos títulos foram publicados na véspera
da data limite para que o governo recebesse propostas de compra, para
dificultar o surgimento de concorrentes ao Banco Vetor. “Na realidade,
nenhuma oferta houve para a compra dos papéis”, diz um documento do BC.
Depois de passar pelos intermediários, os títulos do Bandepe chegaram
aos compradores finais com descontos entre 1,63% e 2,51%.
Em
vez de vender os papéis ao Banco Vetor com descontos entre 20,32% e
32,59%, teria sido possível ao Estado, portanto, oferecer um desconto
bem menor e receber mais dinheiro, se a venda tivesse sido feita aos
compradores finais. “Se o Bandepe tivesse efetuado a venda direta dos
títulos aos reais investidores finais, o Estado teria obtido uma redução
de custos da ordem de R$ 61,983 milhões; a esse valor, devem ser
acrescidos ainda os R$ 22,133 milhões relativos ao pagamento da taxa de
sucesso ao Banco Vetor”, diz o documento do BC.
O
Banco Central, no entanto, não conseguiu rastrear onde foi parar o
dinheiro. Segundo a conclusão do processo administrativo, assinada pelo
gerente técnico do BC José Arnaldo Dotta, grande parte dos lucros com a
ciranda com os títulos parou em contas de doleiros. “Como os recursos
saíram de empresas não integrantes do Sistema Financeiro Nacional,
principalmente no caso dos valores remetidos ao exterior, tornou-se
impossível saber o destino final.”
Consta
do processo do Conselhinho uma peça de defesa, apresentada pelos
advogados de Eduardo Campos em setembro de 2002. Eles pedem o
encerramento da investigação por entender que o caso estava prescrito,
uma vez que, entre a ocorrência da emissão de títulos públicos em
Pernambuco e a intimação a Eduardo Campos pelo Banco Central, haviam se
passado seis anos. “Não cabe mais à autoridade administrativa a apuração
do fato por não tê-la promovido dentro do prazo legal”, escreveu o
advogado José Henrique Wanderley Filho.
ÉPOCA
procurou o governador Eduardo Campos. Sua assessoria de imprensa enviou
uma nota, também assinada pelo advogado José Henrique Wanderley Filho.
Ele afirma que a decisão do Conselhinho “ainda não é definitiva, além de
contrariar frontalmente o posicionamento de todas as outras instâncias
administrativas e judiciais”. Em dezembro passado, dois anos depois da
decisão do Conselhinho, a defesa de Eduardo Campos apresentou recurso
pedindo a revisão da condenação. “Tal recurso expõe o claro conflito
verificado entre a decisão administrativa e o acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Federal”, diz o advogado.
Enquanto
seus advogados apresentavam defesa ao Banco Central, Eduardo Campos se
destacava em 2002 no Congresso Nacional como um político bem informado
que esbanjava simpatia, sabia ouvir e sempre tinha boas histórias para
contar. Apesar de seu partido, o PSB, ter o ex-governador Anthony
Garotinho como candidato ao Palácio do Planalto, Eduardo Campos – e o
avô, Miguel Arraes – mantinha antigas e boas relações com o petista Luiz
Inácio Lula da Silva.
Em
dezembro de 2003, o Supremo Tribunal Federal excluiu Campos do processo
dos precatórios. Foi o suficiente para ele ser nomeado por Lula, em
2004, ministro da Ciência e Tecnologia. Em junho de 2005, em pleno
escândalo do mensalão, Campos trocou o governo pelo Congresso para
reforçar a defesa do governo no Parlamento. A retribuição foi generosa.
Na disputa pelo governo de Pernambuco em 2006, Lula se manteve neutro
entre Campos e o petista Humberto Costa no primeiro turno. No segundo
turno, o apoio de Lula foi decisivo para Campos derrotar Mendonça Filho
(DEM).
FICHA LIMPA OU FICHA SUJA?
No Palácio das Princesas, sede do governo de Pernambuco, Eduardo Campos, com a ajuda de Lula, transformou o Estado num canteiro de obras. Tornou-se o governador mais popular do país e, em 2010, concorreu a uma reeleição tranquila. Seu principal adversário, o senador Jarbas Vasconcellos (PMDB), obteve 14% dos votos.
No Palácio das Princesas, sede do governo de Pernambuco, Eduardo Campos, com a ajuda de Lula, transformou o Estado num canteiro de obras. Tornou-se o governador mais popular do país e, em 2010, concorreu a uma reeleição tranquila. Seu principal adversário, o senador Jarbas Vasconcellos (PMDB), obteve 14% dos votos.
Não há consenso entre os juristas se a punição a Eduardo Campos pode torná-lo um ficha suja
Hoje,
o sucesso de Eduardo Campos extrapola o Estado. O senador Aécio Neves
(PSDB-MG), o mais provável candidato tucano à Presidência da República
em 2014, confidenciou a interlocutores que gostaria de ter Eduardo
Campos como seu vice. Os dois tiveram uma parceria em Minas Gerais,
decisiva para a eleição, em 2008, de Márcio Lacerda (PSB) para prefeito
de Belo Horizonte. Embora procurem preservar as boas relações com o
aliado, os petistas observam com desconfiança esses movimentos do
governador de Pernambuco.
Um
dos trunfos de Campos é seu inconteste controle do PSB. A estratégia
adotada em 2010 de rifar a candidatura presidencial do ex-ministro Ciro
Gomes para apoiar a eleição de Dilma Rousseff deu bons resultados. Com a
eleição de seis governadores, o partido ganhou músculo nas urnas. Com
isso, Campos se cacifou também para compor uma eventual chapa da
presidente Dilma Rousseff à reeleição. Ele também exibiu força ao
conseguir manter seu apadrinhado político Fernando Bezerra como ministro
da Integração Nacional, apesar de uma saraivada de denúncias.
A
revelação de uma condenação por um órgão técnico composto de
conselheiros indicados pelo Ministério da Fazenda nos governos aliados
de Lula e Dilma pode turvar o horizonte do governador pernambucano.
Ouvidos sob a condição de anonimato, juristas consultados por ÉPOCA
divergiram sobre o possível enquadramento da condenação de Eduardo
Campos na Lei da Ficha Limpa. Para uns, a decisão do Conselhinho não
torna Campos um ficha suja, porque a Lei da Ficha Limpa se refere
explicitamente à condenação proferida por “órgão colegiado judicial” –
não é o caso do Conselhinho. Outros juristas lembram que, noutro trecho,
a lei abre brecha para uma possível punição. Trata-se do parágrafo que
torna inelegível por oito anos quem for condenado por irregularidade
insanável “em decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta
tiver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”. No plano
administrativo, o Conselhinho é a última instância. É uma questão que só
pode ser dirimida pela própria Justiça, até porque a Lei da Ficha Limpa
está sub judice no STF.
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