quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Morre Jorge Dória e fica um jeito de fazer comédia


Jorge Dória (1921-2013): ele saiu do quartel para fazer o público rir no teatro (Foto: Rede Globo)
Jorge Dória (1920-2013): ele saiu do quartel para fazer o público rir no teatro (Foto: Rede Globo)
Um dos mais populares atores brasileiros, o carioca Jorge Dória morreu na tarde de hoje, depois de quarenta dias de internação no Hospital Barra D’Or, no Rio de Janeiro. Ele tinha 92 anos e foi vítima de complicações cardiorrespiratórias e renais. Ao saber da notícia, eu viajei longe no tempo. Lembrei que meu primeiro texto como jornalista, publicado no jornal Zero Hora em 11 de dezembro de 1995, falava justamente de Dória, que completaria 75 anos no dia seguinte. Para fazê-lo eu me debrucei em um monte de jornais e revistas amareladas. Vale lembrar que naquela época não se usava ainda a internet. A primeira frase desse meu texto dizia o seguinte: “para Jorge Dória, todos os atores brasileiros são comediantes”. E, logo, vinha a sua explicação. “ele acredita que não existe uma tradição dramática no teatro nacional, sendo a única exceção a obra de Nelson Rodrigues”.
Lendo isso, a gente pode entender um pouco mais sobre o que Jorge Dória representou para o teatro e a televisão. Talvez por não carregar a pretensão de ser um grande ator, ele depositava todas as suas fichas em fazer coisas que caíssem no gosto do público e queria tratar sobre a vida daquela gente. Era de um tempo em que os artistas tinham orgulho de fazer rir e, assim como Procópio Ferreira, Dercy Gonçalves e Dulcina de Moraes, queria mais era agradar a plateia – sem se importar com aqueles que faziam “pouco” do teatro dito comercial. Era essa gente que formava os novos artistas e atraía a atenção dos pagantes. No palco, eles apelavam para um humor inspirado no cotidiano das famílias de classe média e, sendo assim, a projeção ficava completa.
Em sete décadas de carreira, o ator participou de mais de sessenta peças. Filho de um militar, Jorge Pires Ferreira chegou a trabalhar antes nos quartéis e afirmou ter sido contemporâneo de colégio do ex-presidente João Batista Figueiredo. “Jamais teria conseguido me transformar em um general sério e taciturno”, disse numa entrevista certa vez. Menos mal, não? O Brasil ficou livre de mais um ditador e ganhou um comediante. Aos 21 anos, ele estreou no teatro com o espetáculo As Pernas da Herdeira e permaneceu na sequencia quase dez anos como integrante da Companhia Eva Todor.
Dória arrancou gargalhadas nas comédias em parceria com o dramaturgo e diretor João Bethencourt. São dessa época as montagens de Plaza Suíte (1970), Freud Explica, Explica (1973) e o seu maior sucesso, A Gaiola das Loucas, do francês Jean Poiret, que estreou em 1974 e permaneceu quatro anos em cartaz. O ator dividia o palco com outro grande comediante, Carvalhinho, e, dizem, os dois davam um show na pele de casal homossexual que precisava impressionar os pais da noiva do filho adotivo. O público formava filas nas bilheterias. E o curioso é que muitos estavam lá para ver de perto o intérprete de outro pai zeloso – só que mais convencional: o Lineu, de A Grande Família.
Sim, foi Dória quem protagonizou a primeira versão do seriado, exibida pela Rede Globo entre 1972 e 1974, ao lado da atriz Eloísa Mafalda, a Dona Nenê daquele tempo. Popular e carismático, o artista ainda se destacaria nas novelas O Amor É Nosso (1981), Champagne (1983), Que Rei Sou Eu? (1989), Meu Bem, Meu Mal (1991), Zazá (1997) e Suave Veneno (1999). Sem abandonar o palco, ele se mantinha firme na tentativa de agradar o público em comédias como Escola de Mulheres, A Presidenta e uma remontagem de A Gaiola das Loucas, sob a direção de Jorge Fernando. Seus últimos trabalhos no vídeo foram participações no seriado Os Normais e no programa humorístico Zorra Total, ao lado de várias gerações de comediantes que não existiriam se não fosse gente como Jorge Dória.
Comédia no palco: Dória e Jaqueline Laurence na peça "O Avarento", em 2003 (Foto: Divulgação)
Comédia no palco: Jacqueline Laurence e Dória na peça “O Avarento”, em 2003 (Foto: Divulgação)

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