Lendo isso, a gente pode entender um pouco mais sobre o que Jorge Dória representou para o teatro e a televisão. Talvez por não carregar a pretensão de ser um grande ator, ele depositava todas as suas fichas em fazer coisas que caíssem no gosto do público e queria tratar sobre a vida daquela gente. Era de um tempo em que os artistas tinham orgulho de fazer rir e, assim como Procópio Ferreira, Dercy Gonçalves e Dulcina de Moraes, queria mais era agradar a plateia – sem se importar com aqueles que faziam “pouco” do teatro dito comercial. Era essa gente que formava os novos artistas e atraía a atenção dos pagantes. No palco, eles apelavam para um humor inspirado no cotidiano das famílias de classe média e, sendo assim, a projeção ficava completa.
Em sete décadas de carreira, o ator participou de mais de sessenta peças. Filho de um militar, Jorge Pires Ferreira chegou a trabalhar antes nos quartéis e afirmou ter sido contemporâneo de colégio do ex-presidente João Batista Figueiredo. “Jamais teria conseguido me transformar em um general sério e taciturno”, disse numa entrevista certa vez. Menos mal, não? O Brasil ficou livre de mais um ditador e ganhou um comediante. Aos 21 anos, ele estreou no teatro com o espetáculo As Pernas da Herdeira e permaneceu na sequencia quase dez anos como integrante da Companhia Eva Todor.
Dória arrancou gargalhadas nas comédias em parceria com o dramaturgo e diretor João Bethencourt. São dessa época as montagens de Plaza Suíte (1970), Freud Explica, Explica (1973) e o seu maior sucesso, A Gaiola das Loucas, do francês Jean Poiret, que estreou em 1974 e permaneceu quatro anos em cartaz. O ator dividia o palco com outro grande comediante, Carvalhinho, e, dizem, os dois davam um show na pele de casal homossexual que precisava impressionar os pais da noiva do filho adotivo. O público formava filas nas bilheterias. E o curioso é que muitos estavam lá para ver de perto o intérprete de outro pai zeloso – só que mais convencional: o Lineu, de A Grande Família.
Sim, foi Dória quem protagonizou a primeira versão do seriado, exibida pela Rede Globo entre 1972 e 1974, ao lado da atriz Eloísa Mafalda, a Dona Nenê daquele tempo. Popular e carismático, o artista ainda se destacaria nas novelas O Amor É Nosso (1981), Champagne (1983), Que Rei Sou Eu? (1989), Meu Bem, Meu Mal (1991), Zazá (1997) e Suave Veneno (1999). Sem abandonar o palco, ele se mantinha firme na tentativa de agradar o público em comédias como Escola de Mulheres, A Presidenta e uma remontagem de A Gaiola das Loucas, sob a direção de Jorge Fernando. Seus últimos trabalhos no vídeo foram participações no seriado Os Normais e no programa humorístico Zorra Total, ao lado de várias gerações de comediantes que não existiriam se não fosse gente como Jorge Dória.
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