Apresentadora da BBC relata culpa que enfrenta por ter 'descartado' mãe diagnosticada com Alzheimer.
Apresentadora britânica Fiona Phillips reflete sobre a difícil decisão de colocar seus pais num asilo (Foto: BBC)
A apresentadora britânica Fiona Phillips reflete sobre a difícil
decisão de colocar seus pais num asilo quando ambos foram diagnosticados
com demência:"Atualmente, mais de 433 mil pessoas vivem em asilos no Reino Unido. Isso significa, pelo que indica uma pesquisa, que centenas de milhares de parentes no país tiveram que tomar uma das decisões mais difíceis de suas vidas.
Segundo este estudo, optar por internar um pai ou uma mãe em um asilo é um dos momentos mais estressantes pelo qual alguém pode passar na vida, mais do que comprar uma casa ou mesmo se divorciar.
Colocar alguém que amamos sob os cuidados de estranhos é como dizer "desisto" ou "não posso cuidar de você". Ao menos, é como alguém se sente quando sai porta afora e deixa para trás o marido que ama e com quem viveu por décadas, ou a mãe que criou você com muito amor e cuidou de cada ferimento físico ou emocional que você já teve.
Há algumas semanas, o papa Francisco disse algo que trouxe de volta toda a culpa que senti ao colocar minha mãe em um asilo. Em uma missa especial para homenagear avós, ele afirmou que uma sociedade que não cuida de seus idosos 'não tem futuro'.
Ele alertou contra a cultura 'venenosa' de abandoná-los em asilos, onde "normalmente sofrem com a negligência, o medo e a solidão".
Até 80% das pessoas que vivem em asilos sofrem de Mal de Alzheimer ou alguma outra forma de demência. É uma condição deplorável, pouco compreendida e cruel pela qual vi meus dois pais passarem.
Nunca esquecerei do dia que deixei minha mãe em um asilo - com quase 70 anos, ela era uma das mais jovens entre os que viviam lá. Ainda acordo de noite com a culpa de deixá-la enquanto ela implorava: 'Mas eu sou sua mãe...'.
Nas quatro horas que passei no carro na minha viagem de volta pra casa, meu rosto se inundou de lágrimas. Ainda carrego esta viagem viva na minha memória.
Meu pai havia dito que não podia cuidar dela. Odiei ele por causa disso. O que não sabíamos na época era que ele também já estava no estágio inicial do Alzheimer.
Minha mãe tinha três filhos. Ainda assim, nenhum a levou para morar com eles. Nenhum de nós deu a ela o mesmo cuidado amoroso que ela havia dado a nós. É este pensamento que ainda continuo a remoer em minha cabeça. É este pensamento que ainda me leva às lágrimas quando ouço uma das músicas do Elvis que ela mais gostava.
Mas, como sua doença exigia que alguém cuidasse dela noite e dia, não via como podia cuidar dela e do meu filho de 3 anos e manter meu emprego na TV, que exigia levantar às 3h30 da madrugada, muitas vezes sem ter dormido à noite.
Em algumas noites, minha mãe me ligava a cada hora chorando e dizendo que não se lembrava mais como assar bolos. Sentia-me esgotada mentalmente e fisicamente e que não podia mais aguentar tudo aquilo.
Penso com frequência no dia em que tomei a decisão. Minha mãe estava no hospital depois de ter quebrado a bacia - algo comum em pacientes com demência, já que eles costumam perder seu equilíbrio.
Depois de visitá-la, meu pai, que estava se comportando de forma cada vez mais estranha, anunciou de repente: 'Não quero mais ela em casa. Não posso cuidar dela'.
Foi algo que, na época, considerei completamente insensível e cruel, sem saber que o Alzheimer estava também mudando aos poucos sua personalidade.
Meu irmão David, meu pai e eu fomos a um bar onde eu e David revimos a decisão várias vezes, enquanto listávamos uma série de asilos para visitar. Na época, em 2002, descobrimos que nenhum deles oferecia cuidados especiais para demência.
Depois de muitas visitas deprimentes, escolhemos um asilo onde uma das moradoras disse que amava morar ali, apesar de hoje eu lembrar que ela também disse: 'Mas é muito difícil conseguir um drink se você quer um'.
Minha mãe foi internada com desidratação por diversas vezes durante o período que ficou no asilo. Minha culpa e o meu coração partido me fizeram dirigir para o País de Gales todos os fins d semana para ver minha mãe – que antes, estava sempre glamurosa – sentada em uma cadeira, de cabeça baixa (o sorriso tinha sumido), usando roupas de outras pessoas, com as unhas suja, o cabelo também. A aparência de uma instituição. Não de uma casa. Aquela aparência vai sempre me atormentar.
Atualmente, existem mais lares e asilos especializados em cuidar de pessoas com demência, mas, conforme a Comissão de Qualidade de Lares atestou em relatório divulgado nesta semana, ainda há mais lugares ruins do que bons.
Minha mãe já havia morrido quando ficou claro para mim que meu pai não podia mais viver sozinho. Eu descobri isso quando cheguei na porta da casa dele de surpresa e constatei que ele estava vivendo como um mendigo por meses. Foi a primeira vez que ele abriu a porta para mim em meses que tentei fazer visitas que se mostraram inúteis depois de dirigir centenas de quilômetros.
Desta vez, ele chorou quando me viu, como se estivesse se sentindo aliviado por alguém ter desmascarado sua situação. Ele estava vivendo em um colchão sujo no chão, cercado por uma bagunça, pilhas de pratos na pia e um monte de bilhetes distribuídos pela casa para ajudar sua já tão falha memória.
Eu decidi ali naquele momento que eu teria que mudá-lo para um lugar mais perto de mim. Ele morreu quatro anos depois após um fim terrível em um hospital psiquiátrico, outra coisa que me faz carregar mais toneladas de culpa.
Felizmente, no entanto, nos anos anteriores de sua morte ele viveu feliz em um flat controlado, com enfermeiros cuidando dele três vezes ao dia e também com visitas frequentes minhas e do seu irmão, que também morava perto. Não era o ideal, mas colocar um pai em qualquer tipo de asilo também raramente é.
'Quantas vezes nós descartamos pessoas mais velhas com atitudes que são semelhantes a uma forma de eutanásia oculta', disse o papa Francisco. Minha mãe sequer estava velha. Mas eu ainda sinto como se a tivesse descartado. Vou viver com isso até o fim dos meus dias."
Fiona Phillips apresentou o GMTV por 11 anos na ITV e é uma embaixadora da Sociedade do Alzheimer. Ela deu seu relato para o programa 'Inside Out', na BBC One North East & Cumbria.
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