Valor corresponde à perda de produtividade anual provocada por fraudes
públicas, segundo coordenador da FGV
O brasileiro paga caro pelo aumento da corrupção no País. Segundo
estudo feito pelo coordenador da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio
Vargas (FGV), Marcos Fernandes, a perda de produtividade provocada por fraudes
públicas no Brasil atinge a casa de US$ 3,5 bilhões por ano. 'Da mesma forma
que estradas e portos bem estruturados melhoram a produtividade do País,
instituições ineficientes diminuem o ganho da nação', afirma Fernandes.
Ele explica que o prejuízo foi calculado com base em dados do Banco
Mundial (Bird) sobre educação e investimentos de 109 países, além de índices de
percepção de corrupção da organização não-governamental Transparência
Internacional. Na avaliação do professor da FGV, com as péssimas qualidades das
leis, da governabilidade e do ambiente de negócios, as empresas hesitam em
investir no País e deixam de criar emprego e renda para a sociedade. Para ter ideia
do que significa a perda de produtividade provocada pela corrupção no Brasil,
basta comparar o volume de dinheiro empenhado pelo governo no Ministério dos
Transportes. Até agosto, foram cerca de R$ 5,3 bilhões em obras de infra-estrutura
de transportes, como estradas, hidrovias, ferrovias e portos - bem abaixo da
perda de produtividade anual calculada em US$ 3,5 bilhões, ou R$ 7,5 bilhões
convertidos pelo dólar de R$ 2,17.
Fernandes completa ainda que em apenas dois escândalos recentes da
história do Brasil - o superfaturamento do Tribunal Regional do Trabalho (TRT)
de São Paulo pelo juiz Nicolau dos Santos Neto e o dos sanguessugas, a
população perdeu cerca de US$ 150 milhões. 'Com esse dinheiro seria possível
construir 200 mil casas populares e abrigar 800 mil pessoas', calcula o
professor. Segundo ele, muito dinheiro que poderia ser investido na precária
infra-estrutura do País é desviado pela corrupção. Com isso, o Estado perde
força e suas políticas de investimentos são enfraquecidas. Resultado disso pode
ser verificado no Índice de Competitividade Global 2006-2007 do Fórum Econômico
Mundial. Números divulgados na semana passada mostram que o Brasil caiu nove
posições no ranking internacional, de 57ª para 66ª colocação, ficando abaixo
dos demais países que formam o chamado Bric (Rússia, Índia e China).
De acordo
com o Fórum, o desempenho do Brasil se deve especialmente a dois fatores:
indicadores macroeconômicos e institucionais. 'A corrupção traz efeitos graves
para a competição dos mercados', afirma o diretor-executivo da Transparência
Brasil, Claudio Weber Abramo.
Segundo ele, o efeito disso para a população é lamentável, já que menos
investimentos significam menos emprego, renda e piora do bem-estar da população. 'O custo
social é grande, pois priva as pessoas de uma melhor qualidade de vida e de
liberdade de escolha', diz Fernandes. O economista Reinaldo Gonçalves,
professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta
ainda que a corrupção aumenta o risco e a incerteza no ambiente de negócios do
País. 'Para se proteger disso, os preços dos bens e serviços acabam embutindo o
custo da corrupção, como se fosse um imposto', reclama ele. Para o professor,
além de aumentar as incertezas, as fraudes públicas elevam as práticas
oportunistas. 'Como alguns cometem atos ilícitos e não são punidos, os outros
também adotam armas corruptas para competir.'
Na avaliação dele, há uma
fragilidade sistêmica no Brasil, um processo de 'africanização'. Dados da ONG
Transparência Internacional mostram que o Índice de Percepção de Corrupção do
Brasil é semelhante ao de países como Belize, Sri Lanka, Peru, Kuwait e
Colômbia (ver gráfico). Os países mais seguros são Finlândia, Dinamarca,
Cingapura e Suíça. Os piores no quesito fraude pública são Bangladesh, Paraguai
e Indonésia. Na avaliação do professor de Ética e Filosofia Política da
Unicamp, Roberto Romano, um dos problemas que elevam o índice de corrupção no
Brasil é o número de mediadores no sistema. Da União até chegar ao destino
estabelecido, o dinheiro passa por várias mãos, o que facilita a fraude,
argumenta ele.
'Resultado disso é a desigualdade entre as regiões e a falta de
competitividade do produto brasileiro. Se você não tem valor agregado,
sobretudo de ponta, o que você tem a oferecer? Banana' destaca o professor.
Mas há uma luz no fim do túnel, argumentam os especialistas. Uma das
alternativas é deixar de tratar a corrupção como causa da moralidade. Para
Abramo, ela tem origem em instituições e práticas administrativas frágeis.
'No Brasil, os governos podem nomear cargos aleatoriamente em troca de
apoio parlamentar. Isso precisa ser mudado', indigna-se ele, reivindicando a
criação de políticas de gerenciamento de conflito de interesses. 'Certamente
não se combate corrupção dizendo que ela é feia.' Gonçalves, da FGV, acredita
que a instituição de mecanismos que permitam a fiscalização pública do
orçamento do governo já contribuiria para reduzir as fraudes. 'É preciso
transparência. Se você torna tudo eletrônico, é possível consultar o andamento
dos processos, contratos de compra de serviços, etc.' Mas isso precisa ser
inteligível. Não adianta dispor de dados se não é possível fazer a leitura,
alerta ele. 'Junta-se a isso a necessidade de redução da burocracia e a
aprovação de leis mais racionais.'
Fonte: Renée Pereira (site do Estadão)
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