segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Exame em Jango não encontra veneno, mas investigação prossegue

Exame em Jango não encontra veneno, mas investigação prossegue

Corpo do ex-presidente foi exumado; 'duas possibilidades de morte' ainda são investigadas
Os resultados dos exames realizados após a exumação do corpo do ex-presidente João Goulart não detectaram qualquer substância que pudesse ter causado sua morte por envenenamento, informou a Polícia Federal, que coordenou o trabalho de perícia.
No entanto, o perito da PF Jeferson Evangelista Corrêa disse nesta segunda-feira que também não era possível descartar completamente essa possibilidade, pois as substâncias podem ter desaparecido, já que se passaram quase quatro décadas desde seu falecimento.
Pelo mesmo motivo, segundo ele, também não foi possível confirmar se Jango faleceu por causas naturais e essa possibilidade também não pode ser descartada.
"Do ponto de vista científico, as duas opções se mantêm. É importante a continuidade de investigação por outros meios", reforçou o perito Jorge Perez, que participou das análises como representante da família Goulart.
Dessa forma, não é possível ter certeza se Jango morreu vítima de infarto (ele era cardíaco) ou envenenamento. A análise dos restos mortais do governante deposto pelo golpe militar de 1964 ficou sob coordenação da Polícia Federal e envolveu laboratórios do Brasil, Portugal e Espanha, além de peritos também da Argentina, Uruguai e Cuba.
Foram analisadas 700 mil substâncias, entre materiais químicos e metálicos. Foram encontrados, por exemplo, resquícios de xampu e do remédio que Jango usava para o coração, mas em quantidades não nocivas. Umas das possibilidades aventadas é de que ele teria sido envenenado por alterações nas substâncias dos seus medicamentos.
Peritos que participaram do processo explicaram que as substâncias têm diferentes comportamentos e tempo de conservação. Por isso, o fato de não terem sido encontradas substâncias tóxicas não significa que elas não estivessem presentes antes.
A ministra Ideli Salvati, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, disse que o relatório apresentado nesta segunda é apenas parte de um processo investigativo que está em curso no Ministério Público Federal brasileiro e na Argentina.
Ela informou que quaisquer imagens produzidas no processo de exumação ficarão sob guarda da Polícia Federal, para respeitar a privacidade dos familiares do ex-presidente.
A ministra destacou ainda que o processo "é parte da exumação da história do nosso país e do resgate do significado e da importância que teve o presidente João Goulart para o Brasil".
Os restos mortais do ex-presidente foram retirados do cemitério de São Borja (RS), sua cidade natal, em novembro do ano passado, após uma operação de 18 horas, em que foram colhidas doze amostras de gases de dentro do jazigo. Depois disso, os restos mortais foram trazidos a Brasília para recolhimento de outros materiais.
Sentado entre Salvatti e o filho de Jango João Vicente Goulart, participou também do anúncio o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Causou estranhamento sua presença porque Lobão foi deputado federal pelo Arena, partido favorável à ditadura militar e, em 2008, deu fortes declarações de apoio ao regime militar, negando inclusive que se trata-se de uma ditadura.
"Ditadura mesmo foi com o Getúlio (Vargas)", disse durante um discurso empresários paulistas. "(O regime militar) Foi um momento em que o Brasil reencontrou seu futuro, sua vocação para o desenvolvimento", afirmou na época.
Nesta quinta-feira, Lobão disse que sempre admirou Goulart, que foi ministro do Trabalho no governo Vargas.
Novas informações sobre Jango vêm à tona quase quatro décadas após sua morte
"Eu sempre fui um admirador profundo das ideias e inclinações sociais do presidente João Goulart. Ele estava profundamente ligado ao povo, aos mais pobres, aos desvalidos, com os quais se preocupava diariamente e por toda a vida", disse o ministro.

Mistério de quatro décadas

As novas informações sobre Jango vêm à tona após quase quatro décadas de mistério sobre a causa de sua morte, em 6 de dezembro de 1976, aos 57 anos, em sua fazenda no município argentino de Mercedes, onde estava exilado.
A dúvida principal era se ele teria morrido em decorrência de um infarto (ele era cardíaco) ou se teria sido envenenado em ação da Operação Condor desencadeada pelo regime militar brasileiro (1964-85) em conjunto com outras ditaduras do Cone Sul.
Diversos fatores alimentaram o mistério em torno do falecimento de Jango. Seu corpo não passou por autópsia e foi transportado diretamente para São Borja, onde foi enterrado sem que o caixão fosse aberto.
Em diversas entrevistas, seu filho apontou ainda como outro indício suspeito da morte de seu pai o fato de que o atestado de óbito feito na argentina registrou como causa da morte apenas "efermedad" (doença), sem especificar qual.
Essa informação sempre foi largamente divulgada na imprensa brasileira. Ela é contestada, porém, pelo jornalista Juremir Machado da Silva, autor do livro Jango: A Vida e a Morte no Exílio.
Segundo o escritor, que pesquisou a documentação relativa ao falecimento de Jango na Argentina, o atestado de óbito registra a causa da morte como "infarto do miocárdio". De acordo com ele, o que aponta a razão do falecimento como "doença" é o registro de morte em cartório, em que o atestado de óbito estava anexado.
Em 2002, outro fator estimulou a teoria de assassinato político. O ex-agente uruguaio Mario Barreiro Neira disse que o ex-presidente teria sido assassinado dentro Operação Condor, em decisão conjunta dos governos de Uruguai, Brasil e Estados Unidos.
Muitos questionam, porém, a credibilidade de Neira, que cumpre pena no Brasil por crimes comuns como tráfico de armas. Autor de O Governo João Goulart, o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira diz que não há provas de que Jango foi envenenado e afirma que a versão de Neira tem como objetivo tentar evitar sua extradição para o Uruguai após o cumprimento de sua pena no Brasil, sob a justificativa de que sofria perseguição política.

Mortes de JK e Lacerda

Contribuiu ainda para as suspeitas de que Jango foi assassinato o fato de que outros dois importantes opositores do regime militar também morreram de forma suspeita num intervalo de apenas nove meses: o ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-61) e o ex-governador do hoje extinto Estado da Guanabara Carlos Lacerda (1960-65).
Em abril deste ano, a Comissão Nacional da Verdade descartou a hipótese de que JK foi assassinado pelos militares.
Embora JK e Lacerda tenham apoiado o golpe militar que em 1964 depôs Jango, logo depois passaram a fazer oposição ao regime. Em setembro de 1966, os três formaram uma frente política contra o governo ditatorial, a Frente Ampla, extinta em 1968 pelos militares.
JK morreu em 22 de agosto de 1976, aos 73 anos, quando viajava pela rodovia Presidente Dutra, perto do município de Resende, no sul do Estado do Rio de Janeiro. Durante muitos anos suspeitou-se de que o desastre foi resultado de um atentado. Alimentaram a dúvida uma perfuração e vestígios de metal encontrados no crânio do motorista do ex-presidente, quando o corpo foi exumado anos depois do acidente.

Conflito entre comissões

Um relatório de dezembro de 2013 da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo - que segundo o órgão se baseou em 90 indícios, provas e testemunhos - sustentou que JK foi foi vítima de uma conspiração política e acabou assassinado na Via Dutra.
No entanto, uma análise própria da Comissão Nacional da Verdade encerrada em abril deste ano teve conclusão inversa: o veículo Chevrolet Opala em que estavam Juscelino e seu motorista Geraldo Ribeiro foi atingido lateralmente por um ônibus e, em seguida, colidiu frontalmente com uma carreta Scania Vabis, que vinha no sentido contrário da Dutra.
O grupo de peritos analisou documentos, laudos e fotografias e concluiu, por exemplo, que a fratura no crânio de Geraldo Ribeiro fora causada mais recentemente, durante transporte do corpo. Uma das evidências é uma foto que estampou a capa do jornal Estado de Minas quando o corpo foi exumado. Segundo os peritos, a imagem mostra que, no momento em que os peritos retiram o crânio do motorista de sua cova, ele está inteiro.
No estudo, também foram analisadas as marcas de batidas nos veículos e "exame de tintas" feito na época do acidente que mostra que a tinta no ônibus era de fato do Opala, e vice-versa.
Já Carlos Lacerda faleceu aos 63 anos, em 21 de maio de 1977, após ser internado na Clínica São Vicente, na zona sul do Rio de Janeiro, por causa de uma gripe forte, associada a um quadro de desidratação. A previsão era de que receberia soro e teria alta no dia seguinte. Por volta da meia-noite, porém, Lacerda começou a passar mal e menos de duas horas depois estava morto, de infarto do miocárdio. Levantaram-se suspeitas de que ele foi envenenado, mas não houve investigação.

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