Especialistas
veem ganho político mas divergem quanto a benefícios econômicos -
sobretudo quanto ao principal investimento privado na ilha, o porto de
Mariel, financiado pelo BNDES
A
reaproximação entre Cuba e Estados Unidos representa um ganho
diplomático para o governo brasileiro, na opinião de analistas ouvidos
pela BBC Brasil, mas seus frutos econômicos gozam de menos consenso. LEIA TAMBÉM: Veja os detalhes do plano de reaproximação entre EUA e Cuba Estudiosos
em comércio e relações internacionais afirmam que o início do diálogo
entre os dois inimigos históricos é uma "vitória política" para
Brasília, que sempre pressionou por uma reaproximação.
Agência Brasil
Dilma Rousseff e Raúl Castro na inauguração das obras do porto de Mariel, em Cuba
Por outro lado, os analistas divergem sobre como
um eventual, porém ainda distante, fim do embargo à ilha comunista (que
só pode ser decretado pelo Congresso americano) poderia beneficiar o
governo brasileiro, fiador do maior investimento privado já feito
naquele país – o porto de Mariel.
Para Geraldo Zahran, professor
da PUC-SP e autor de Tradição Liberal e Política Externa nos Estados
Unidos, o governo brasileiro sempre militou por uma distensão das
relações entre Washington e Havana e deve apresentar a retomada de
relações como uma vitória política.
"Em certa medida esses avanços
também ajudam a criar condições para uma reaproximação do Brasil com os
EUA", afirma Zahran, lembrando que o vice-presidente Joe Biden deve
fazer uma visita ao Brasil na semana que vem.
Na avaliação de
Rubens Barbosa, embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, o
reestabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países foi um
"ganho político para todos".
"Havia uma ansiedade política para
que Cuba voltasse a integrar a comunidade latino-americana. Tanto é que
vários países, incluindo o Brasil, já vinham pressionando para que a
ilha participasse da próxima Cúpula das Américas em maio no Panamá, a
despeito, até então, da oposição da Casa Branca", diz Barbosa.
Oliver
Stuenkel, professor-adjunto de Relações Internacionais da FGV-SP,
observa que "o embargo marcou de maneira profunda não só a relação
bilateral entre os dois países, como influenciou as tentativas de se
estabelecer alianças regionais no continente".
"O
reestabelecimento das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos é
uma mudança histórica e de grande importância para as dinâmicas
políticas nas Américas."
Já Christopher Garman, diretor de
Mercados Emergentes e América Latina do Eurasia Group, é cético sobre o
impacto da distensão com Cuba nas relações dos Estados Unidos com o
resto da América Latina. "Acho que esse tema sempre foi
superdimensionado", diz. Aposta estratégica
Se
os ganhos políticos, para o Brasil, da reaproximação entre Estados
Unidos e Cuba são evidentes, os frutos econômicos ainda continuam sendo
uma espécie de aposta, indicaram os analistas.
Nos últimos anos,
Brasil e Cuba estreitaram laços fortalecidos por uma natural sintonia
ideológica entre os governos. Como resultado, o intercâmbio comercial
entre os dois países cresceu quase sete vezes, passando de US$ 92
milhões em 2003 para US$ 625 milhões em 2013. Atualmente, o Brasil é o
terceiro maior parceiro comercial de Cuba, após a China e a Venezuela.
O
ápice das relações entre os dois países veio com a construção do porto
de Mariel, obra tocada em grande parte pela brasileira Odebrecht a um
custo de US$ 975 bilhões e financiada com dinheiro do BNDES.
O
terminal ocupa uma área de 400 quilômetros quadrados que abriga a "zona
de desenvolvimento especial" de Cuba, uma zona franca e industrial para a
qual o governo pretende atrair indústrias estrangeiras por meio de
incentivos.
Ali vigora um sistema diferente do resto da ilha, onde
empresas têm poucas restrições para contratar, contam com isenção de
impostos e não são obrigadas a se associar a companhias estatais.
Por
causa da origem dos recursos de financiamento, o terminal portuário foi
alvo de críticas de opositores da presidente Dilma Rousseff, que
criticaram a realização da obra em Cuba, segundo eles, motivada pelo
alinhamento ideológico entre os dois países.
O governo argumenta
que o investimento gerou emprego e renda no Brasil, beneficiando mais de
400 empresas fornecedoras de equipamentos.
Inaugurado em janeiro
deste ano, o porto de Mariel é operado por uma empresa de Cingapura. A
Odebrecht agora "trabalha na ampliação do aeroporto Jose Martí, em
Havana, e desenvolve um programa de melhorias e incremento da produção
agrícola e industrial no setor sucroalcooleiro", informou a empresa em
nota enviada à BBC Brasil.
De grande profundidade, o terminal pode
receber navios gigantes, capacidade que poucos portos da região têm,
inclusive na costa americana. Além disso, vem sendo modernizado no mesmo
momento em que são realizadas obras de ampliação do canal do Panamá,
que passará a receber navios que transportam até o triplo da carga dos
navios atuais.
"A região é estratégica, já que boa parte do
comércio da Ásia para a costa leste dos EUA passa pelo canal do Panamá",
disse à BBC Brasil Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de
Estudos Econômicos Internacionais da Unesp.
"Do ponto de vista
estratégico, o investimento foi feito de olho no potencial da região. A
ideia é que empresas brasileiras possam se estabelecer na zona de livre
comércio ao redor do porto e de lá exportem diretamente aos Estados
Unidos e a outros países da América Central", afirmou.
"Cuba criou
muitas facilidades para a instalação de empresas nesse local. O Brasil
chegou primeiro e pode se beneficiar disso", completou. Que benefício?
Porém,
diferentemente das nações vizinhas, Cuba não pode aproveitar as
oportunidades comerciais devido à proibição de Washington, que já dura
mais de cinco décadas.
Na opinião de Ayerbe, o Brasil considerou o investimento no porto como uma aposta na suspensão do embargo.
Para
Luiz Felipe Lampreia, ex-ministro das Relações Exteriores no governo
Fernando Henrique e vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de
Relações Internacionais (Cebri) o Brasil não colhe "nenhuma vantagem em
financiar o porto de Mariel".
"O porto não vai servir para nada.
Nosso comércio para os Estados Unidos nunca precisou passar por ali e o
local não é um entreposto comercial", afirmou.
Lampreia lembra que o mercado interno cubano ainda é pouco atrativo para empresas brasileiras.
"O
poder aquisitivo do cubano ainda é muito baixo e nada indica que isso
vai mudar rapidamente. Além disso, o tamanho desse mercado é irrisório
se comparado ao de outros países", acrescenta.
Para Roberto
Abdenur, embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, as
empresas brasileiras instaladas na zona franca cubana poderiam se
beneficiar da "mão de obra barata e capacitada" do país.
Ele
pondera, no entanto, que, "com um eventual fim do embargo", o terminal
portuário "vai ser muito mais útil para os Estados Unidos do que para o
Brasil".
"Em curto prazo, não vejo benefício para o Brasil. Cuba
tem o potencial para se tornar o que os ex-países do bloco soviético se
tornaram. Nesse contexto, por que privilegiar o Brasil em detrimento dos
investimentos de outros países?", questiona Abdenur.
Para Zahran,
da PUC-SP, no entanto, a distensão pode ajudar a impulsionar a economia
cubana, o que beneficiaria o Brasil e em especial as empresas
brasileiras que nos últimos anos começaram a fincar o pé na ilha.
Garman,
da Eurasia Group, concorda: "É claro que no caso de um eventual fim do
embargo poderia haver uma diminuição da posição do Brasil como parceiro
comercial de Cuba, mas seria pouca coisa. Por outro lado o bolo da
economia cubana também iria crescer – então seria de se esperar uma
fatia maior para os brasileiros que já estão apostando na ilha".
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