Veja soluções de seis países para vencer a falta de água e o desperdício
Estação seca se aproxima e já causa preocupação.
G1 mostra ações de governos que enfrentam a seca constantemente.
Eduardo Carvalho
Do G1, em São Paulo
Com a aproximação do inverno, grande parte do país entra em estado de atenção devido à falta de chuvas.
Com isso, o fantasma da escassez de água passa a rondar governos, que
tentam agilizar projetos para evitar um possível desabastecimento nas
grandes cidades e áreas rurais.
Em vários países, os períodos de seca já não representam tanto risco.
Eles são enfrentados com tecnologia e planos ambiciosos de gestão da
água, alguns implementados há décadas. Sem essas ações, Israel,
encravado em um deserto, ou Cingapura, uma ilha que importa água de
outros locais, não sobreviveriam.
Suas experiências podem servir de inspiração ao Brasil, que desde 2013,
quando o Sudeste enfrentou a pior seca já registrada nos últimos 50
anos, passou a se preocupar mais com os recursos hídricos, já escassos
em várias localidades.
O
G1 lista o que seis países de diferentes partes do
mundo fizeram ou fazem para manter o abastecimento, evitar o desperdício
e conscientizar a população sobre a importância da água. As iniciativas
foram apresentadas em um seminário internacional realizado em São
Paulo, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente.
Austrália
O país que viveu entre 1997 e 2009 o mais severo período de seca já
registrado, e que entre 2013 e 2014 teve 156 recordes de temperatura,
precisou se adaptar para manter o abastecimento de milhões de moradores.
Foram investidos cerca de R$ 6 bilhões em infraestrutura, o que ajudou a combater vazamentos e a economizar água.
Segundo Tony Wong, do Programa de Cooperação em Pesquisa da Austrália,
em Melbourne, um dos exemplos para combater o desperdício foi a
realização de obras para que as águas residuais que saem das casas sigam
para reservatórios próprios.
Depois de tratada, a então "água de reúso" retorna para as moradias, já
adaptadas para receber o líquido em uma torneira especial, que poderá
ser utilizado na limpeza da casa, lavagem de roupas e outras atividades
em que se consiga evitar o emprego de água potável.
Além disso, em várias cidades do país foram construídas usinas de
dessalinização, que transformam a água do mar em potável. Em Melbourne, o
complexo ainda não foi utilizado, mas foi erguido para ser uma espécie
de seguro em casos de extrema escassez hídrica.
É viável para o Brasil?
Dante Ragazzi, presidente da Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (Abes), diz que o Brasil pode utilizar essas
tecnologias para melhorar o abastecimento e a adaptação a eventuais
secas. Porém, ele afirma que algumas delas só funcionariam plenamente a
longo prazo.
Ragazzi diz que o combate a vazamentos já é feito no país, mas que é
preciso investir muito mais em infraestrutura para a água de reúso
chegar até as casas. “Tecnicamente é possível, mas do ponto de vista
financeiro, são precisos estudos aprofundados”, explicou.
Sobre uma possível usina de dessalinização, Dante diz que um projeto
como esse é caro e pode gerar impacto ambiental (é preciso saber o que
será feito com o sal extraído), apesar da instalação ser possível em
cidades litorâneas.
China
Com um risco muito alto de seca no Nordeste e Norte do país, a China
criou uma agenda especial para os recursos hídricos, distribuindo ações
integradas por todas as camadas de governo.
Foi desenvolvido um sistema de etiquetas para mictórios, vasos
sanitários e pias que determina o grau de eficiência hídrica desses
produtos. Desta forma, há o incentivo à compra de produtos que usam
menos água (no estilo do selo Procel de eficiência energética, utilizado
aqui no Brasil).
O governo incentivou também a criação de cisternas em várias cidades.
Atualmente, há 83 mil distribuídas pela China, além de outros 4 mil
reservatórios de médio e grande portes.
Desde 1960, é realizada a transferência de água entre rios do Sul para o
Norte, com estações de bombeamento em diversas regiões. Elas são
acionadas em períodos de seca extrema, o que garante o abastecimento
emergencial à população.
É viável para o Brasil?
De acordo com Alceu Guérios, da seção São Paulo da Abes, a
transferência entre bacias hidrográficas é uma solução já adotada no
Brasil há décadas, já que dá segurança hídrica a regiões carentes. Um
dos exemplos é a transferência entre várias bacias para formar o sistema
Guarapiranga, que abastece 5,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo, e
a transposição do Rio São Francisco, no Nordeste.
Sobre os reservatórios pelo país, Dante Ragazzi afirma que é possível
criar mais unidades no Brasil, mas não em grande quantidade como na
China. “É preciso que se faça a devida análise dos impactos ambientais”.
No caso das etiquetas em equipamentos mais eficientes, Guérios afirma
ser uma boa ideia.
Califórnia (EUA)
Um das regiões mais populosas dos Estados Unidos enfrenta uma das piores secas em décadas. Tal fato
obrigou o governador Edmund Jerry Brown a decretar racionamento de água em abril deste ano.
Desde então, a Califórnia terá nove meses para economizar 1,8 trilhão
de litros de água. A meta é que as cidades e comunidades reduzam seu
consumo em 20%. Mas como?
Algumas das iniciativas são: aumento das tarifas de água, multas de US$
500 por dia a quem for flagrado desperdiçando água potável para lavar
calçadas ou lavar carros, remoção de paisagismo que exija aumento de
consumo em casas, centros comerciais e campos de golfe, e substituição
por grama resistente à seca.
Além disso, para evitar prejuízos no abastecimento, há bombeamento de
águas subterrâneas para uso humano e a água reciclada é represada para
irrigação e descargas sanitárias.
É viável para o Brasil?
A redução do consumo individual, com medidas como as da Califórnia, é
eficiente e viável em todo o país, segundo Alceu Guérios. Ele cita que
São Paulo é um dos exemplos onde as ações para conter o consumo
individual deram certo, desde que o estado foi afetado brutalmente pela
seca.
A respeito da água de reúso, ele afirma que a crise atual intensificou a
discussão em torno desse procedimento, ainda não adotado no país. Não
há leis próprias para isso,
mas o Ministério do Meio Ambiente afirma que há estudos para uma nova legislação.
“Pode reduzir significativamente o gasto de água. [Mas] é necessário
apenas orientar tecnicamente as práticas, para evitar usos inadequados”,
explicou Guérios.
Japão
Desde 1955, não há um ano em que o país não seja atingido por episódios
de seca extrema. Por isso, o governo criou o Manual Geral contra a
Seca, com medidas preventivas para o fenômeno e ações a serem feitas
quando houver estiagem.
O racionamento de água em determinados horários é uma das ações tomadas
para reduzir a vazão pelo país, mas essa decisão só ocorre quando não
há economia voluntária de água. A conscientização dos japoneses é o
grande trunfo do governo, que realiza campanhas massivas com uso de
anúncios para diminuir o consumo de água. Desde 1978, todo o dia 15 de
cada mês é considerado o “dia de economizar água”.
Houve ainda investimentos para captação de chuva e reaproveitamento da
água residual, além de combate a vazamentos para reduzir perdas de água
para o consumo. A indústria japonesa, famosa pelos avanços tecnológicos,
também fez sua parte e desenvolveu torneiras, chuveiros e vasos
sanitários que diminuem o consumo.
Segundo o Japão, a perda de água estimada (por culpa de vazamentos, fraudes e etc.) é de 9%.
No
Brasil, esse índice é de 39%, de acordo com levantamento do IBNET –
International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities.
É viável para o Brasil?
O uso de águas residuais e pluviais é viável no Brasil, mas precisa ser
objeto de análise financeira, técnica e ambiental, segundo Dante
Ragazzi. Para ele, é preciso ter cuidado com o armazenamento caseiro, a
fim de evitar que o local se torne um possível criadouro do Aedes
aegypti, mosquito transmissor da dengue.
A redução de perdas precisa ser ampliada no país, de acordo com Alceu
Guérios. “Inclui ações de rastreamento das redes, de redução de
pressões, de substituição de ramais prediais e de redes por materiais
mais resistentes, de controle de tempos de reparos, entre outras. São
ações contínuas, que produzem resultados progressivamente”.
Israel
Transformando o deserto em oásis. Esse é o lema de Israel, país que
luta contra a seca desde o seu nascimento, há 67 anos. Por causa disso,
foi necessária a criação de leis claras para o uso da água, com sistemas
de economia e regulação, e muita conscientização a respeito.
Foi preciso ainda o desenvolvimento de tecnologias capazes de extrair água até de geadas, que é revertida para a agricultura.
Segundo o governo, o tratamento e reúso são vitais para o país: 91% do
esgoto é coletado e 80% dele é tratado e reutilizado para a agricultura
na parte Sul de Israel (totalizando 525 milhões de m³ ao ano).
Outra técnica que abastece a área agrícola é o sistema de irrigação por
gotejamento, desenvolvido em Israel e responsável por fornecer água
para 30% das lavouras do mundo.
Há ainda um controle rígido de perdas, que evita o desperdício de
recursos e perdas de apenas 7%. Em todo o país, há cinco plantas de
dessalinização, que utilizam a água do Mar Mediterrâneo. Essas usinas
geram mais de 100 milhões de m³ de água ao ano e abastecem 70% do
consumo doméstico.
É viável para o Brasil?
Sim, em partes. O reúso e tratamento de esgoto ainda são um problema
para o Brasil. No país, apenas 50% dos resíduos domésticos são tratados e
o restante é despejado em rios e no oceano. Mas com o tempo, o
percentual de tratamento sanitário deve aumentar, “mas é difícil que a
solução seja implementada em grande escala e rapidamente”, diz Dante
Ragazzi.
Sobre o gotejamento, é necessário que o setor agrícola do Brasil passe
por um grande avanço tecnológico. “Nossa agricultura adota técnicas de
irrigação que gastam muita água, o que não é compatível com situações de
limitação de disponibilidade, como é o caso do Sudeste brasileiro. É
necessário modificar essas práticas. Com a crise, isso já foi iniciado
em São Paulo, com a discussão de políticas de estímulo aos produtores”,
afirma Alceu Guérios.
Cingapura
Na pequena ilha de 718 km², 100% da população é servida por água
potável e todo esgoto do país é tratado e reutilizado. O país é
considerado um dos polos mais eficientes de reaproveitamento de água.
Tudo isso graças a uma imponente infraestrutura implantada para coleta
da água de chuva, usinas de dessalinização, combate a vazamentos, além
de campanhas de conscientização.
Em casos de falta de água,
o país importa água da Malásia por meio de dutos, uma logística considerada complexa e cara.
Além disso, há um programa local que incentiva a compra de produtos que
diminuem o uso de água (etiquetas de eficiência hídrica) e uma campanha
com o público que faz as pessoas “amarem” a água.
É viável para o Brasil?
O reúso, a campanha de conscientização e a criação de etiquetas para
aparelhos domésticos mais eficientes são viáveis e recomendáveis. A
importação de água também, tecnicamente falando, mas a medida teria um
custo muito alto e não haveria capacidade suficiente para atender
grandes demandas, como a de São Paulo, atualmente.