12 de outubro é o dia do brinquedo, mas ainda não chegou o dia das
crianças. O dia das crianças é todo o dia e é nenhum. É todo o dia
porque as crianças estão mais do que nunca no centro da atenção do mundo
adulto, seus negócios e seus problemas, apesar de nenhuma delas ter
sido consultada quanto a sua participação nisso tudo. Seu dia é nenhum
dia porque, quando se pensa nas crianças, normalmente se pensa em seu
futuro e não em seu presente.
Nas grandes cidades, há muito tempo as crianças pobres estão na
intempérie das ruas e, as que têm melhor sorte, aprisionadas em suas
casas. Faz tanto tempo que os pobres estão nas ruas que isso já se
tornou natural. Parece que são crianças que não vieram de lugar nenhum,
mas que brotaram do chão como um tipo estranho de criaturas agrestes.
Com certeza são crianças que não tem para onde ir e, se perguntadas,
espantarão os adultos pela exata percepção que têm de quem ninguém virá
buscá-las. O que se furtou destas crianças que não tem nada é o seu
futuro.
As crianças que não são as que estão nas ruas, por sua vez, também
não tem o que desejam. Nem o seu desejo. Seu querer é, quando muito, o
que lhes disseram que talvez gostassem e quisessem. Por falta de tempo e
de brincar, são como simulações adultas e imperfeitas. Seus jogos e
brincadeiras não poderiam ser outros que não os videogames, onde treinam
a estupidez dos adultos e condenam-se a seu modo de vida seduzidas por
ele e nele sufocadas. E o que se furtou destas crianças que tem tudo
também é o seu futuro.
O dia do brinquedo não vai resolver o problema nem das crianças
pobres, nem das crianças não pobres. Mesmo coincidindo com feriado
nacional, os adultos não prestarão atenção nas crianças, mas nos
brinquedos. E não há quem os possa culpar por isso. Está claro que
prover as crianças de inutilidades se tornou mais importante que lhes
garantir dignidade e compartilhar afeto. São trezentos e sessenta e
quatro dias nos quais isso fica claro e evidente. Então não é preciso
tentar passar um dia da vida das crianças como se num clipe ou comercial
de TV. Um dia idílico e inocente como só pode haver num clipe ou
comercial de TV porque, no dia do brinquedo, a TV magicamente se enche
de comerciais onde não se vendem brinquedos e as crianças estão
brincando de verdade. Tudo o que havia para vender-se, na verdade, já se
vendeu.
No dia do brinquedo não há o encontro da criança pobre com a
criança não pobre. Não será justamente no dia do brinquedo que elas
brincarão juntas. Esse encontro se dará, como o usual, através da
vidraça dos carros, e não causará nada a nenhuma delas. Nem surpresa,
nem estranhamento. Esqueça de uma troca de fagulha mágica nos olhares.
Desista do toque angelical do dedo sujo no dedo limpo. Não são trezentos
e sessenta quatro dias de diferença que lacraram essa realidade, mas a
própria história desse país e desse mundo. Tem se repetido muito que
hoje é preciso desesperadamente descobrir uma forma de evitar que esse
mesmo mundo vá de vez ladeira abaixo ao abismo da sustentabilidade
econômica. As crianças? As crianças podem esperar. Dê-se a elas o dia do
brinquedo.
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