após
aborto', afirma ex-funcionária do Itaú; banco diz que vai apurar caso
Da BBC
Brasil em São Paulo
Em setembro
de 2010, Adriana*, de 35 anos, chegou ao trabalho em uma agência do banco Itaú
em Palmas, capital do Tocantins, e começou a se sentir mal. No fim de um
expediente estressante, no qual ela disse ter estado sobrecarregada por
acumular temporariamente a função de gerente operacional - cargo então vago na
agência -, sua condição piorou.
Depois de se
agachar para abastecer um dos caixas eletrônicos, ela diz ter notado um
sangramento intenso correndo por sua perna.
"Colegas
me ajudaram, e recolhemos uma substância que caiu no chão, que ficou guardada
em uma embalagem de guardanapo em minha bolsa", disse ela à BBC Brasil.
"Logo
depois, liguei para meu chefe em Belém e expliquei o que tinha acontecido, mas
ele disse que não poderia me afastar, pois não tinha ninguém para me
substituir."
Adriana
afirma ainda que permaneceu por mais três horas no local, até fechar a
tesouraria, pela qual era responsável. Ela diz não ter pensado na hora que
estava tendo um aborto, porque não sabia que estava grávida. Mas conta que foi
ao médico no dia seguinte, e um exame mostrou que o que havia caído no chão
durante o sangramento seria um feto de cerca de 1 mês e meio.
"Foi um
choque. Psicologicamente, foi bem pior que fisicamente. Achei muito
constrangedor ficar naquela situação, trabalhando ensanguentada depois da
gravidade que havia ocorrido", afirma.
"Fiquei
com vergonha de contar para alguém. Não acredito até hoje que isso aconteceu
comigo."
Procurado
pela BBC Brasil, o Itaú disse por meio de nota que "o fato relatado é
estarrecedor, fere os mais fundamentais princípios da organização e é
inadmissível na nossa ética e cultura de respeito e valorização dos
profissionais".
O banco
informou ainda ter tido acesso aos documentos da investigação apenas na manhã
desta quarta-feira, pois as investigações foram conduzidas em sigilo.
"Desta forma, iniciamos a apuração dos fatos, inclusive, para aplicação
das devidas penalidades funcionais, cíveis e trabalhistas."
Investigação
O caso veio
à tona com a abertura de uma ação civil pública pelo Ministério Público do
Trabalho do Tocantins contra o Itaú, após uma investigação apontar indícios de
assédio moral em agências do banco em Palmas. O MP pede uma multa de R$ 20
milhões por dano moral coletivo.
Ajuizada na
1ª Vara do Trabalho de Palmas, a primeira audiência do caso está prevista para
18 de junho.
Segundo
depoimentos colhidos pelo MP, funcionários enfrentariam sobrecarga de trabalho,
sem o pagamento das horas extras correspondentes. Isso teria provocado estresse
entre os empregados, que relataram problemas físicos e psicológicos decorrentes
da pressão, incluindo o aborto espontâneo relatado por Adriana.
"O dia
a dia era muito puxado, porque com frequência não havia funcionários o
suficiente. Era tanto trabalho que eu e meus colegas acabávamos nos esquecendo
de nós mesmos", diz Adriana.
"Reclamávamos
das condições de trabalho, e eles sempre diziam que estavam providenciando mais
funcionários."
A
investigação foi conduzida ao longo de dois anos pela procuradora Mayla
Alberti, responsável pelo caso, após denúncia do Sindicato dos Trabalhadores em
Empresas de Crédito do Estado do Tocantins (Sintec-TO).
"Fomos
procurados pelo sindicato para tratar da questão de desvio de funções de
empregados e, no desenrolar do processo, fomos encontrando elementos de assédio
moral organizacional", afirma Alberti.
A
procuradora colheu 13 depoimentos, dos quais 11 foram dados por funcionários do
Itaú. Os relatos ouvidos pelo MP dariam conta de uma pressão excessiva exercida
pelas chefias das agências por resultados, que por vezes impossibilitaria o
almoço dos funcionários ou os faria ficar muito além do fim do expediente, sem
registrar as horas extras trabalhadas.
"Os
funcionários trabalhavam demais, sem serem pagos por isso. Ouvi relatos de quem
tomava café da manhã e depois só conseguia comer de novo no jantar. Eles ainda
precisavam fazer hora extra para alcançar as metas, mas havia um limite de
horas extras que eles podiam acumular por mês", afirma Alberti.
"Então,
eles ficavam com medo de registrá-las e serem prejudicados. Ao mesmo tempo,
tinham medo de não trabalhar além do expediente normal, não cumprir as metas
por causa disso e acabarem sendo dispensados."
Segundo a
procuradora, além de Adriana, outros funcionários ouvidos também apontaram que
a falta recorrente de pessoal teria levado ao acúmulo de funções e excesso de
trabalho.
Empregados
ainda relataram terem ficado doentes por causa das condições de trabalho,
sofrendo com estresse, tendinite ou lesão por esforço repetitivo (LER). Alguns
teriam sido punidos ou demitidos em razão dos problemas de saúde.
Segundo
Alberti, outras gestantes, como Adriana, também teriam relatado problemas na
gravidez que seriam relacionados ao excesso de trabalho.
Em nota
enviada à BBC Brasil, o Itaú afirma que tem mais de 94 mil colaboradores no
mundo e preocupação constante com seu bem-estar.
"Cumprimos
integralmente as leis e normas trabalhistas, contudo, temos consciência de que
algumas vezes desvios de conduta podem ocorrer. Quando isso acontece, nossa
postura é de transparência e busca da solução do problema identificado",
afirma o banco.
A
instituição afirma ainda estar tomando medidas para melhorar o controle de
jornadas de trabalho e que mantém um "diálogo aberto" com sindicatos
sobre a definição e acompanhamento das metas de trabalho de suas equipes.
"No
caso da Ação Civil Pública do Estado do Tocantins, estamos dispostos, da mesma
forma, a dialogar abertamente sobre as oportunidades de melhoria naquela
localidade."
Mudanças
José Carlos
Wahle, sócio da área trabalhista do escritório Veirano Advogados, explica que um
caso de assédio moral se configura por um conjunto de ações da empresa ou um
padrão de conduta de um funcionário com poder de chefia, que aja de forma
agressiva ou humilhante em relação a seus subordinados.
"Um
episódio isolado ainda pode ser considerado um ato ilícito, mas não é assédio.
É preciso identificar que foi recorrente ou que outros empregados tenham
passado por problemas semelhantes, no caso do assédio coletivo", afirma
Wahle.
"Uma
empresa ou chefe precisa ter gerado condições hostis ou nocivas ao próprio
desempenho da tarefa. Que haja um desvio do contrato de trabalho, imposto de
forma sistemática e com ameaças de demissão, mesmo que veladas."
O advogado
acrescenta que, no caso de acusações do tipo, é preciso cuidado ao analisar as
alegações. "Temos informações parciais e limitadas. É preciso cuidado para
entender o que aconteceu", diz.
Na ação
contra o Itaú, o MP pede que sejam estabelecidas "metas compatíveis com a
atividade laboral, a pausa remunerada para descanso, o pagamento de horas extras
com correta anotação, o não acúmulo de funções e não perseguir bancários que
prestaram depoimentos".
No caso de
Adriana, ela permaneceu no banco por mais três anos, até ser demitida por justa
causa em setembro de 2013. Ela questiona os motivos de sua demissão.
Hoje,
Adriana não é mais bancária. Ela cuida de um bar junto com uma amiga.
"É
minha terapia. Até hoje, meu coração acelera quando penso em tudo o que
aconteceu. Não quero trabalhar em banco nunca mais, porque não consigo entrar
em uma agência nem para fazer coisas pessoais."
*Nome
alterado a pedido da entrevistada
Nenhum comentário:
Postar um comentário