UPP: uma política de 'adestramento' que deixa de lado a integração
Quase seis anos após a primeira unidade, moradores reivindicam melhorias sociais prometidas
Desde novembro de 2008, quando foi instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro, na Favela Santa Marta, em Botafogo, outras 37 comunidades foram ocupadas em diferentes áreas da cidade. O governo enaltece que as UPPs têm o papel de retomar locais até então dominados por facções criminosas, mas o que se vê na realidade é que esta "pacificação" não se concretiza. Pelo contrário, moradores se vêem obrigados a conviver com a forte repressão policial e com a constante troca de tiros. Oprimida, a população sofre com uma política que parece muito mais voltada para o "adestramento" - na qual a repressão policial é a única ação efetiva do Estado - do que para a integração entre a favela e o chamado "asfalto".A integração deveria estar a cargo da chamada UPP Social - programa que, no papel, tem o objetivo de promover a cidadania, o desenvolvimento urbano, social e econômico e efetivar a integração ao conjunto da cidade. Entretanto, a população destes locais continua a reivindicar investimentos na educação, saúde e serviços como iluminação pública e saneamento básico, que não chegaram em massa às favelas da mesma forma que o aparato policial.
"Foi uma pacificação excludente, não tem a parte social", critica Adriana Pirozzi, gestora social e liderança da Rocinha, favela da Zona Sul do Rio. Adriana conta que a própria polícia da UPP realiza algumas atividades esportivas para a comunidade, mas que, em geral, não há incentivos. "Pedimos muito um centro tecnológico para os jovens, um segundo grau com qualificação, para uma inserção no mercado de trabalho, acompanhamento de algumas famílias que têm jovens já envolvidos com o tráfico, mas que têm todas as chances de sair... Nada disso foi feito. Foi apresentado mas não aconteceu", explica.
Adriana defende que a falta de incentivo social atrapalha o resgate de jovens imersos no tráfico. "O jovem tem que ter oportunidades. Se elas não aparecem, não há como resgatá-lo, na maioria das vezes. Alguns até são resgatados por ONGs que fazem trabalhos isolados, mas é um processo muito lento. Não houve uma intervenção social concreta e a gente sabe que existem verbas para isso", finaliza.
Fabiana Rodrigues, outra liderança da comunidade e criadora do portal Rocinha em foco, também reclama da falta de assistência. "Vejo alguns policiais que dão aula de jiu-jítsu e judô, mas é pouco, não tem muito apoio. O governo poderia ser mais participativo, trazer mais projetos para as crianças de rua", aponta. Fabiana relata que, certa vez, conseguiu ingressos para que as crianças da Rocinha assistissem a um espetáculo do Circo de Soleil, mas não recebeu ajuda para levá-las ao evento. "Fomos na UPP e pedimos ônibus para levar as crianças até lá, mas não tivemos sucesso", lamenta.
A moradora ainda expõe uma piora na violência e a falta de representatividade da UPP entre os habitantes da comunidade. "A violência piorou nos últimos tempos, está havendo muitos assaltos e arrombamento de casas. Às vezes as pessoas nem vão na UPP denunciar, porque não acreditam que possa resolver. Quando os policiais chegam, tratam mal o morador, falam sem educação ou não ajudam durante uma necessidade, começam a ser mal vistos pelos moradores. Mas não pode criticar só os policiais, o governo poderia instruí-los para agirem melhor", complementa.
Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, esclarece que a UPP "fracassou em aproximar a polícia e as comunidades". "A partir da ocupação, deveria ter sido desenvolvida uma polícia comunitária, mais próxima dos moradores, mas isso não aconteceu na maior parte dos lugares. A população não percebe a polícia para protegê-los, mas sim para controlá-los", discorre.
De acordo com Marco Antonio Mello, coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, as favelas ainda não estão integradas à cidade. "Falta apoio das secretarias para considerar estas áreas pertencentes à cidade. Ainda não dá para pensar o Rio sem essa polaridade de favela e asfalto", expõe. Mello também afirma que as reivindicações dos moradores são legítimas. "Eles têm o desejo de renovação, de equipamentos urbanos, de acessibilidade, de ter um endereço na cidade, um CEP nas ruas, para que sejam reconhecidos plenamente em termos de estrutura urbana. E têm razão em colocarem estes pontos na agenda", aponta.
O pós-doutor em antropologia, por fim, reafirma a necessidade de dar atenção aos locais menos privilegiados. "Mais do que nunca é preciso que os administradores prestem atenção e vejam o que está sendo dito. O surgimento da política pública veio associada às UPPs sociais, à ideia de que estas áreas seriam incorporadas de modo civilizado e reconhecidas como pertencentes à cidade. Agora os moradores estão reivindicando e se estruturando para isso", conclui.
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