Quatro famílias, quatro cavaleiros do apocalipse. Civita, Frias,
Mesquita e Marinho. Todos crias da ditadura, de maneira que a luta
contra eles configura a derradeira batalha contra o regime militar, do
qual eles são herdeiros. É como se os filhos de Pinochet dominassem a
mídia chilena. Ontem e hoje os grandes jornais e telejornais
dedicaram-se a atacar Lula. Artilharia de todos os lados. Os colunistas,
por sua vez, como sempre de mãos dadas, repetem em uníssono que Lula
pode e deve ser investigado.
Acontece que Lula é alvo de uma devassa desde o dia em que foi candidato
pela primeira vez a presidente da república, em 1989. Desde o início,
todo o tipo de tramóia e manipulação midiática tem sido perpetrada
contra ele.
Como presidente, viu seu filho ser alvo de investigações, ofensas e
calúnias, viu o apartamento do seu irmão ser invadido pela própria
Polícia Federal, e agora vê a mídia lhe acusar, com base em fofocas, de
ser amante de sua secretária e cúmplice dela. Nada jamais se encontrou
que incriminasse o ex-presidente, após tantos anos.
Com ele convalescente de um câncer na garganta, portando um edema que
ainda lhe provoca dores sempre que fala muito ou se estressa, vemos a
mesma mídia, que pratica todo tipo de pistolagem branca em épocas de
eleições, iniciar mais uma campanha coletiva para denegrir o
ex-presidente da república mais querido da história nacional.
E com que fundamentos? Com base em declarações de um bandido, de um
testa-de-ferro de Daniel Dantas, cujo nome, aliás, jamais aparece nas
matérias que tratam de Marcos Valério. É este o banqueiro,
provavelmente, a que Lula se refere quando falou, em Paris, sobre a
proteção da imprensa a determinadas figuras do mercado financeiro.
O plano já está montado. Produzir uma atmosfera de “comoção nacional”,
pressionar o Ministério Público a abrir uma investigação sem provas, e
depois achacar o Judiciário em busca de uma condenação baseada apenas em
“indícios” e “ilações”, as quais são fornecidas gratuitamente por
editoriais e colunas.
O editorial do Estado de hoje traz aquele tom imperioso da casa grande.
O jornal tem o direito de opinar como bem entender. O problema não é
esse, e sim a fragilidade da República em se submeter às orientações de
uma mídia reacionária e comercialmente tendenciosa. Por que uma apuração
se impõe? O que são as intrigas de Marcos Valério em comparação ao
volume gigante de provas existentes no escândalo da privataria tucana,
onde, aí sim, há valores mastodônticos, propinas sensacionais, atos de
ofício em profusão, provas, documentos, e, mais importante, trágicos e
irreversíveis danos ao interesse nacional?
Confiram esse trecho do editorial, onde o Estadão ameaça explicitamente o procurador-geral da República, Roberto Gurgel:
A decisão cabe ao procuradorgeral Roberto Gurgel. Ele vai esperar o
término do julgamento do mensalão, na próxima semana, para resolver se
tomará a si a incumbência ou se a encaminhará a uma instância inferior
do organismo, dado que Lula, ex-presidente, não goza de foro
privilegiado. Estará decepcionando quem passou a admirá-lo pela atuação
que teve no caso do mensalão, se decidir pelo arquivamento das
denúncias. Pressões nesse sentido não faltarão.
Ontem o Globo noticiou que Cachoeira, ao ser solto pela enésima vez pelo
sempre solícito desembargador, Tourinho Neto, declarou que é o
“garganta profunda do PT”. Faltou ao jornal comentar o seguinte: que
Cachoeira SEMPRE foi o garganta profunda do PT, porque seus interesses
estão ligados aos adversários do partido. Quem eram os aliados maiores
de Cachoeira: Marconi Perillo, governador de Goiás pelo PSDB; e
Demóstenes Torres, senador pelo DEM.
Valério construiu sua fortuna em cima de serviços prestados a figurões
do PSDB. O que a justiça precisa investigar são as relações entre ele e
Daniel Dantas. Os recursos de Dantas saíram de cofres controlados pelo
Opportunity, que por sua vez emergiu do processo de privatização como
controlador de um dos maiores e mais lucrativos complexos de telefonia
no mundo. Foi Dantas que deu o dinheiro para a SMPB de Valério, através
de contratos milionários de publicidade, os quais abriram ao empresário
acesso a crédito ilimitado junto às instituições financeiras.
Valério, Cachoeira e Daniel Dantas são bandidos que atuavam na seara
política e são indivíduos tremendamente astutos. Em comum: são
adversários do partido dos trabalhadores e entendem que, na atual
conjuntura política, o melhor para eles sempre foi desviar a indignação
pública para os figurões do PT.
A manipulação surge em toda parte, não dá nem para linkar e comentar
tudo no blog. Está além das minhas forças. Em primeiro lugar, a
repetição. Em toda matéria que trata de qualquer assunto, o jornal
repete as acusações de Marcos Valério. O Instituto Lula organizou um
grande seminário na França, cujos debates repercutiram no mundo inteiro,
mas quando se referem ao discurso de Lula, a imprensa brasileira
primeiramente abre os artigos com longos prefácios sobre as recentes
acusações de Valério.
*
Entretanto, o grande erro da mídia é acreditar que poderá destruir o
símbolo. Ora, isso apenas ocorreria se fosse possível forçar os
brasileiros vomitarem todo alimento consumido desde 2002; a devolverem
todos os recursos do Bolsa Família e tudo que com eles adquiriram; a
devolverem as casas que compraram; a renegarem a esperança que lhes
encheu de otimismo e alegria desde então.
Muito se fala sobre ética e moral, mas tudo que vem desses moralistas a
soldo pode ser lançado ao lixo. Ética e moral são conceitos filosóficos
profundos, cuja verdadeira apreensão precisa de um sentimento autêntico
de amor ao povo, ao homem e às suas dificuldades. Moralista de jornal é
muito mas muito pior que filósofo de botequim! Em geral, é um
diletante sem alma, um intelectual que há tempos vendeu suas habilidades
a quem lhe pagou mais.
*
Para escrever esse post, reli o capítulo de Suetônio que fala de Júlio
César. Para quem não sabe, Júlio César pertencia ao partido popular, que
era a esquerda da época. Era aliado dos tribunos e sua força residia,
sobretudo, no prestígio de que gozava junto ao povo, o que lhe permitia
ganhar facilmente todas as eleições de que participou.
Júlio César foi vítima de todo o tipo de acusações, ofensas, calúnias,
que se pode imaginar. Poetas escreveram livros repletos de sátiras
maldosas sobre sua pessoa. Pra começar, durante toda a sua vida, César
foi perseguido pelo boato de que era homossexual, e que, logo no início
de sua carreira como militar, prostituíra-se ao rei da Bitínia,
Mitilene. Seus adversários abusavam da acusação, descaradamente. Até o
elegante Cícero usou a história para fustigar César.
Sabe o que é mais engraçado? É que o povo incorporou alegremente a
história, e após as grandes vitórias militares de César na Gália, os
soldados festejavam ao redor de fogueiras entoando canções burlescas que
falavam de César e Mitilene. E isso sem deixar de dedicar um grande
amor a seu líder. E sabe porque amavam César? Porque ele, e só ele,
mandou duplicar, a título eterno, o soldo de todos os soldados, ampliou a
distribuição gratuita de trigo, mandou construir bibliotecas em todo o
império, impôs um ordenamento mais racional ao calendário, fez leis
agrárias mais justas, distribuiu terras, baixou o preço dos aluguéis.
Enfim, seguiu a máxima que aprendera com seu tio, Mário, que foi o
grande líder da esquerda romana: fique sempre ao lado do povo, é dele
que vem o poder.
Suetônio narra sem pejo todas as histórias escabrosas em que César se
envolveu para conservar o poder. Essa figura tão polêmica, atravessou os
séculos com sua reputação incólume apesar das acusações do que fez nos
bastidores da baixa política romana. Mesmos os adversários tardios de
sua figura atacariam as atrocidades do império romano, não a figura em
si de Júlio César, sobretudo porque em vista dos ditadores levianos
sanguinários que lhe sucederam, sua história ganharia ainda mais
dignidade. O ódio de seus inimigos de então, ao esfaquearem-no
covardemente no Capitólio, o transformaria num mártir.
Sem querer estabelecer uma ridícula comparação entre Lula e Júlio César,
podemos sempre ver similitudes na história de todas as grandes
lideranças populares. Via de regra, são sempre odiados pelas elites da
época.
E assim como não foi Júlio César quem inventou a corrupção na república
romana, não é Lula inventor do baixo nível das jogatinas políticas de
Brasília.
O povo não ama seus líderes porque os consideram santos. Não é assim que
nascem os mitos políticos. Ao contrário, a percepção de que seus
líderes, para vencerem, precisaram atravessar a mesma odisséia de
mesquinharia, inveja, intriga, que experimenta todo ser humano em busca
de ascensão social; que tiveram de lidar com pessoas ruins, abafar
erros, seus e de seus aliados, conviver com adversários, e sobretudo,
cometer muitos equívocos; quando vêem que seu líder também vivenciou
tudo isso, aumenta-lhes o amor que lhe dedicam. Admira-se e respeita-se o
que os líderes tem de superior, mas o amor, sentimento infinitamente
mais poderoso, conquista-se pela afinidade. É assim que admiramos um
escritor por seu talento, mas o amamos quando ele se mostra uma pessoa
simples, “igual a todo mundo”.
É por isso que os santos são amados por beatas, mas as grandes
lideranças políticas são amados pela maioria do povo. Historiadores,
por exemplo, com exceção daqueles do Vaticano, não costumam se
interessar muito pela vida de São Judas Tadeu e pela conjuntura
histórica de sua época; mas figuras políticas, necessariamente
polêmicas, como Getúlio e Lula, serão sempre interessantes.
A mídia, portanto, comete um erro fatal ao insistir numa guerra covarde
contra Lula. É ótimo que assim seja. Com isso, ela atiça o PT a convocar,
finalmente, a CPI da Privataria Tucana; produz um sentimento crescente
de indignação contra a manipulação que a mídia faz desse bem público,
que é a informação. Se a coisa se limitasse aos jornais impressos, tudo
bem, mas atinge rádio e televisão, concessões públicas, produzindo um
ambiente constantemente envenenado, interferindo eleitoralmente e até
mesmo na estabilidade política do país. Pior, agora temos a prova que a
mídia conseguiu aliados perigosos, a cúpula do Ministério Público e a
maioria do Supremo Tribunal Federal, gerando em milhares de brasileiros,
atentos ao universo das tramóias políticas, o temor de que se repita
aqui o vergonhoso golpe branco que assistimos em Honduras. Quando ela
ataca figuras menores do PT, o povo assiste a tudo curioso. Quando ataca
seu líder, no qual votou, ao qual emprestou – democraticamente – apoio
entusiasmado, e que ainda respeita profundamente por tudo que fez ao
país, então movimentos sociais, sindicatos, estudantes e trabalhadores,
toda a massa heterogênea, que normalmente quase nunca concorda entre si,
cerra fileiras em torno de uma só bandeira. Nada melhor como um inimigo
em comum para unir as pessoas. Essa união é o preço que a mídia pagará
por suas leviandades.
TEXTO RETIRADO DESTE ENDEREÇO:
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