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Acidente com bonde em Santa Teresa, no Rio, deixa 5 mortos e 57 feridos
“O bonde é um símbolo de uma nova maneira de pensar o rio turisticamente”, afirma Martin, mestre em antropologia e professor da Universidade Veiga de Almeida.
Para ele, o descarrilamento do bonde, que deixou cinco mortos e 57 feridos no sábado, causa estragos à imagem da cidade. “Obviamente é mais um acidente, entre outros, que cria uma imagem de descaso”, afirma.
“A cidade está se preparando para mega eventos que estão vindo, como a Copa do Mundo e a Olimpíada. Esses incidentes mostram como a cidade ainda não está preparada para pensar em si mesmo. O que estamos vendo é o resultado de um descaso de muito tempo.”
Martin afirma que falta planejamento do poder público para acompanhar movimentos de revitalização que são conduzidos espontaneamente na cidade, capitaneados pelo setor privado, como ocorreu tanto em Santa Teresa quanto na Lapa.
Hoje, além das praias, do Pão de Açúcar e do Corcovado, o bonde de Santa Teresa é um dos ícones do Rio, e faz parte das imagens usadas para divulgar a cidade no exterior – como se vê, por exemplo, no vídeo feito para a candidatura do Rio à Olimpíada de 2016.
‘Tragédia anunciada’
Moradores de Santa Teresa, na região central do Rio, estão em choque desde o acidente.
“O bonde é a alma do bairro”, resume a presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa, Elzbieta Mitkiewicz.
“É o que apaixona tanto os moradores quanto os turistas. Somos o único bairro que ainda tem o bonde, é um lugar histórico. Aparece em novelas, em imagens do Rio no exterior. Mas está largado, apesar de toda a nossa cobrança. Há 10 anos lutamos para a conservação e recuperação dos bondes.”
Assim como outros moradores do bairro, Mitkiewicz está inconformada com o acidente. Na próxima quinta-feira, dia em que o bonde completa 115 anos, a associação convocou um protesto para cobrar do poder público maior segurança no meio do transporte.
Porém, segundo Mitkiewicz, a manifestação já estava convocada antes do acidente acontecer, por causa de problemas que os moradores e usuários vêm observando.
“Tenho e-mails de antes da tragédia conclamando os moradores a irem de luto. Foi uma tragédia anunciada e não nos surpreendeu. Aconteceu por omissão do governo do estado. O bairro está pedindo a exoneração do secretário estadual dos Transportes, Júlio Lopes.”
O episódio de sábado é o mais grave, após outros acidentes sérios envolvendo o bondinho. Em junho, um turista francês de 24 anos morreu depois de despencar de um bonde que passava sobre os arcos da Lapa, no centro do Rio. Em 2009, uma professora de 29 anos foi atropelada ao tentar saltar de um bonde que perdeu o freio e bateu em um táxi.
As causas do descarrilamento estão sendo apuradas por técnicos do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ) e peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), que devem apresentar um laudo em 15 dias.
De acordo com um representante do Crea-RJ, uma falha no sistema de freios pode ter causado o acidente, e a superlotação do veículo também pode ter sido um dos fatores. O bonde tem capacidade para 40 pessoas, mas estaria com 61 na hora do acidente.
Críticas
No domingo, o governador Sérgio Cabral (PMDB) divulgou uma nota lamentando o acidente e determinou que o transporte por bondes no bairro fique interrompido por tempo indeterminado, até que a Secretaria de Transportes “conduza um plano de modernização dos bondes”.
Mitkiewicz afirma que o bairro todo está muito preocupado. “O que vai acontecer? A gente quer bonde circulando com segurança, com manutenção.” Ela critica o uso de imagens do bonde para divulgar o turismo na cidade.
“Nem com a segurança dos turistas há preocupação. Os turistas não sabiam o risco que estavam correndo. Tanto é que vieram passear. E morreram”, diz, referindo-se à turista uruguaia morta no sábado e ao francês morto em junho.
Reduto bucólico
Desde o início dos anos 1990, o turismo vem se crescendo nas ladeiras de Santa Teresa, um reduto bucólico do Rio, o único no qual o sistema de transporte sobre trilhos que se espalhou na cidade no século 19 sobreviveu.
Martin aponta que o bairro – sempre representado pelo tradicional bonde amarelo – hoje faz parte de qualquer programa de TV internacional sobre o Rio, assim como a Lapa (região central que se revitalizou nos anos 1990 e que hoje concentra casas de samba e bares).
“Estamos vendo uma guinada para a área central da cidade, num fenômeno que começou com Santa Teresa, se expandiu para a Lapa e em breve vai chegar à região portuária”, diz.
Para ele, isso faz parte da construção de uma imagem mais cosmopolita do Rio, cruzando patrimônio cultural arquitetônico e manifestações culturais cariocas.
“O bonde de santa Teresa é uma espécie de símbolo-chave que condensa história, memória e a recuperação do bairro. Faz uma conexão com uma memória nostálgica do Rio antigo.”
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