sábado, 2 de fevereiro de 2013

Segurança da boate Kiss depõe sobre suposta ordem para impedir saída

Policiais também analisam contabilidade e notas de compras da boate

Foto: G1
Fachada da boate Kiss, em Santa Maria
Fachada da boate Kiss, em Santa Maria
A Polícia Civil ouviu neste sábado (2) em Santa Maria seguranças que trabalhavam na boate Kiss no último domingo (27), quando um incêndio na casa noturna deixou 236 mortos. A intenção é apurar se houve ou não ordem para fechar as portas da boate para impedir a saída de jovens que não tinham pago a comanda. Os dois sócios da Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, estão presos.
Segundo o delegado Sandro Meinerz, foi ouvido pela manhã um segurança que estava trabalhando na boate no dia e que estava internado até sexta-feira (1) em um hospital de Santa Maria. Outro segurança que também estava internado deve ser ouvido na próxima semana. Ele apontado como o dono de uma empresa de segurança privada que trabalha para a casa noturna.
No domingo, diz o delegado, não há depoimentos marcados. Haverá apenas expediente interno  para análise de dados. Outros ex-funcionários da boate e também pessoas que estavam na festa serão ouvidos neste sábado. "São alguns poucos depoimentos que estavam marcados para sexta e não conseguimos  realizar e também clientes que nos procuraram dispostos a conversar neste sábado", disse ao G1 Meinerz.
A polícia investiga se a empresa Sniper, contratada para fazer a segurança da pista de dança, é constituída formalmente ou não.  O delegado informou que havia dois grupos de seguranças trabalhando para a boate: funcionários de uma empresa privada e pessoas contratadas pelo próprio Kiko.
Segundo a polícia, os funcionários da empresa cuidavam da segurança da pista de dança e de shows, enquanto que os pagos diretamente pelo sócio seriam responsáveis pelo controle da porta e a cobrança das comandas. A informação preliminar obtida pela polícia é que os seguranças da porta usavam camisetas pretas e eram três integrantes aposentados da Brigada Militar.
Contabilidade da Kiss apreendida
Neste sábado (2) policiais analisam notas fiscais e dados da contabilidade da Kiss apreendidas na casa de Kiko na sexta-feira com detalhes sobre compras de bebidas e material feitas pelo sócio para reabastecer a casa noturna.
A Polícia Civil cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa do empresário com o objetivo de colher mais informações sobre o fluxo de pessoas na boate, relatórios de despesas e de lucros, para tentar obter provas sobre a real movimentação por noite.
A Kiss tinha capacidade para 691 pessoas, segundo o Corpo de Bombeiros. Mas, segundo o delegado Meinerz, uma funcionária relatou que separou mil comandas para a noite da tragédia. Em entrevistas anteriores, diz o delegado, Kiko afirmou à imprensa que entre 1,4 mil e 2 mil pessoas estiveram presentes no local em festas anteriores.
Para a investigação, já está "praticamente comprovado, com base nos depoimentos e nas provas que temos até então", que Kiko agiu com dolo eventual para a tragédia, pois assumiu o risco de que muitas pessoas morressem ao colocar dentro do prédio, de forma consciente, mais pessoas que a capacidade.
"Já sabemos que, de inúmeras formas, eles concorreram para que isso acontecesse", disse Meinerz em coletiva à imprensa na sexta-feira, ao informar que a prorrogação das prisões temporárias, por mais 30 dias, de dois sócios da boate e de dois músicos, foram por homicídio com dolo eventual.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 236 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores:
- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.
Prisões
Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.

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