ALMIR GABRIEL AUMENTA A LISTA DE POLÍTICOS QUE MORRERAM DE CÂNCER
O ex-governador do Pará Almir Gabriel morreu, nesta terça (19), por
conta de falência múltipla de órgãos, aos 80 anos, em Belém. Ele sofria
de enfisema pulmonar e insuficiência cardíaca. Em 17 de abril de 1996,
durante sua gestão, ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás – quando
19 trabalhadores rurais sem-terra foram mortos e outras 60 pessoas
ficaram feridas após uma ação violenta da Polícia Militar para
desbloquear a rodovia PA-150.
Duas pessoas foram condenadas por reprimir com morte a manifestação: o
coronel Mario Colares Pantoja (a 228 anos) e o major José Maria Pereira
Oliveira (a 154 anos), que estavam à frente dos policiais.
Mas a polícia não atua por conta própria. Os responsáveis políticos na
época, Almir Gabriel (que ordenou a desobstrução da rodovia) e o
secretário de Segurança Pública, Paulo Câmara (que autorizou o uso da
força policial), nunca foram processados. Outros 142 policiais militares
que participaram da matança foram absolvidos. Isso sem contar que as
denúncias de fazendeiros locais que teriam dado apoio para a ação
policial ficaram por isso mesmo.
A Justiça, quando se refere ao Pará, tem servido para proteger o direito
de alguns mais ricos em detrimento dos que nada têm. Mudanças positivas
têm acontecido, graças à sociedade civil, à imprensa e a promotores,
procuradores e juízes que têm a coragem de fazer o seu trabalho, mesmo
com o risco de uma bala atravessar o seu caminho. Mas tudo isso é muito
pouco diante do notório fracasso em garantir a dignidade daqueles que
lutam com melhores condições de vida até o presente momento.
Praticamente toda a semana, uma liderança social é morta na Amazônia.
Algumas são mais conhecidas e ganham mídia nacional e internacional, mas
a esmagadora maioria passa como anônimos e são velados apenas por seus
companheiros.
Com o passamento de Almir Gabriel, um dos fundadoresvdo PSDB no Estado,
não posso deixar de dar meus pêsames pela nossa incompetência, por não
conseguirmos fazer com que ele respondesse por aquilo do qual era
responsável. É mais um caso para uma coleção longa.
O coronel Erasmo Dias faleceu com 85 anos. De 1974 a 1979, Erasmo ocupou
o cargo de secretário de Segurança Pública em São Paulo, garantindo a
ordem sob as técnicas persuasivas da Gloriosa. Ficou conhecido pela
invasão da PUC-SP em setembro de 1977, ao reprimir um ato pela
reorganização da União Nacional dos Estudantes. Assim como foi na morte
do ditador chileno Augusto Pinochet, um amigo comentou que a “Justiça”
finalmente havia chegado para Erasmo através do câncer que o consumiu.
Discordo. O sujeito com 85 anos, morando confortavelmente, sem ter que
responder pelo passado, passa dessa para a melhor e isso é “Justiça”?
Não só não tivemos a competência para abrir e limpar publicamente as
feridas que ele causou, como a sociedade ainda o elegeu deputado
federal, deputado estadual e vereador. Parece piada, mas não é.
Outra alma ceifada tempos atrás pela mesma “Justiça” foi a do Coronel
Ubiratan, responsável pela execução de 111 presos na Casa de Detenção do
Carandiru, em São Paulo. Não é que a sociedade não conseguiu
condená-lo, ela não quis condená-lo. Ele fez o servicinho sujo que
muitos paulistanos desejam em seus sonhos mais íntimos, de limpeza
social. Da mesma forma que o massacre sob o comando de Almir Gabriel
levou ao êxtase representantes da elite fundiária do Estado. Ubiratan
morreu em 2006, segundo a polícia, pelo gatilho de sua própria namorada –
que foi inocentada, posteriormente, em julgamento. Estava a caminho de
ser facilmente reeleito como deputado estadual, ironizando o país ao
candidatar-se com o número 14.111.
Só para lembrar: Luiz Antônio “Quem não reagiu está vivo” Fleury Filho,
então governador de São Paulo durante o Massacre do Carandiru, segue
muito bem, obrigado.
Almir, Erasmo, Ubiratan não são casos únicos. Não estou com uma sanha
justiceira, de maneira alguma. Mas creio que todos os que lutam para que
os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas
em uma declaração sexagenária não se sentiram contemplados com
passamentos sem julgamentos. Não quero uma saída “Nicolas Marshall”, de
Justiça com as próprias mãos. Quero apenas que a Justiça funcione. Ou,
no mínimo, que a sociedade consiga saldar as contas com seu passado,
revelando-o, discutindo-o, entendendo-o. Para evitar que ele aconteça de
novo.
Por Leonardo Sakamoto
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