O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, e o relator do
mensalão, Joaquim Barbosa, repassam a jornalistas, em junho, calendário
de julgamento do processo Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Mesmo com direito a 30 dias de recesso durante julho, vários
dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal usaram o tempo livre para
trabalhar no processo do
mensalão,
que começa a ser julgado na próxima quinta-feira (2). A expectativa
gerada em torno do caso obrigou os magistrados a alterarem suas rotinas
para mergulhar nas
50.389 páginas da ação que decidirá sobre a culpa ou inocência de 38 réus suspeitos de envolvimento no
suposto esquema de compra de votos parlamentares no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em um ano em que a mais alta Corte do país analisou pautas polêmicas,
como a validade da Lei da Ficha Limpa e a legalidade do sistema de
cotas, cada um dos ministros do STF traçou cronogramas próprios para
conseguir esmiuçar o imenso volume de provas, relatórios e alegações
produzidos ao longo de sete anos de investigações.
O relator do processo, ministro
Joaquim Barbosa,
que entregou seu relatório em dezembro de 2011, usou os dias de folga
para um ajuste fino em seu voto. Depois de seis anos à frente da ação,
Barbosa aproveitou o mês para se distanciar dos holofotes: se isolou nos
Estados Unidos por quatro semanas para rever detalhes do caso,
retornando ao Brasil só na última quarta (25).
Com um problema crônico no quadril, o magistrado tem dado uma atenção
especial à saúde na derradeira etapa do mensalão. Mesmo às vésperas do
julgamento, Barbosa continua frequentando sessões de fisioterapia para
suportar a maratona de debates, que poderá se estender por mais de um
mês, com
jornadas diárias de, pelo menos, cinco horas.
PoesiaPresidente do Supremo, o ministro Carlos
Ayres Britto foi
obrigado a conciliar no último mês a administração do tribunal, a
organização do julgamento e as demandas direcionadas à Corte no recesso
com a elaboração de seu voto. Com a agenda sobrecarregada, o magistrado
contou com o suporte de dois assessores jurídicos e um juiz auxiliar
para analisar o processo.
Em julho, após suas caminhadas matinais e exercícios de meditação,
Ayres Britto tentava ficar em casa até o meio-dia concentrado no estudo
do processo. Outra precaução adotada pelo chefe do Judiciário para
tentar finalizar o exame do mensalão foi reduzir nas últimas três
semanas os compromissos oficiais do tribunal.
Apaixonado por poesias, o ministro não abandonou os versos e estrofes
nem mesmo com a pressão do julgamento que tem sido considerado o mais
importante dos 183 anos de história do STF. No fim de junho, um dia após
o início do recesso, Ayres Britto foi a um casamento em Brasília
levando debaixo do braço um livro do advogado e poeta brasileiro Manoel
de Barros. Inspirado com a cerimônia laica, realizada às margens do lago
Paranoá, redigiu uma curta poesia sob a copa de uma figueira.
RotinaOutros
ministros, no entanto, se impuseram uma rotina quase espartana para
avaliar o processo e elaborar os votos que serão apresentados a partir
do dia 15 de agosto, na segunda fase do julgamento.
A ministra
Cármen Lúcia,
que desde abril acumula suas funções no STF com o comando do Tribunal
Superior Eleitoral, começou a redigir seu voto, em 2011, antes mesmo de
Joaquim Barbosa concluir seu relatório. Prevendo que sua gestão na
Justiça Eleitoral poderia coincidir com a análise do mensalão, a
magistrada mineira decidiu adiantar o trabalho.
Durante mais de
um ano, Cármen Lúcia dedicou uma média de uma hora por semana para
estudar o processo. Indicada para a Suprema Corte em 2006 por Lula, a
juíza acorda geralmente às 5h para analisar os processos sob sua
responsabilidade. Ex-aluna de um internato de Belo Horizonte, a ministra
costuma repetir aos colegas de trabalho que a experiência a ensinou a
ser disciplinada com o trabalho.
Segundo ministro mais novo no STF, o carioca
Luiz Fux também
manteve uma rotina rígida para dissecar as milhares de páginas do
processo nas quatro semanas do recesso. O magistrado conta que dedicou,
em julho, 10 horas diárias para preparar seu voto.
Ao lado da família, em sua casa no Rio, Fux se obrigou a acordar às
5h e redigir sua manifestação até o meio da manhã. Por volta das 10h,
suspendia os trabalhos para correr e treinar jiu-jítsu. Depois do
almoço, retornava à apreciação do caso, estendendo-se até o início da
noite sobre os documentos.
O ministro estruturou seu voto em quatro capítulos, divididos entre
os fatos relatados pela Procuradoria-Geral da República, as provas
coletadas, a doutrina e a análise do esquema com base na legislação. "A
grande dificuldade desse processo é que os crimes noticiados são
extremamente complexos", ponderou o ministro.
Gabinete
Protagonista de um bate-boca público com o ex-presidente Lula por conta do julgamento do mensalão em maio, o ministro
Gilmar Mendes se focou durante as férias nos ajustes de seu voto, iniciado tão logo Joaquim Barbosa disponibilizou seu relatório.
Apesar do recesso, o magistrado compareceu ao Supremo quase todos os
dias nas últimas semanas. Segundo assessores, Mendes se sente à vontade
trabalhando em seu gabinete. Já nos momentos em que estava em casa,
demandava frequentemente que seus assessores o abastecessem com
documentos do mensalão.
ImprovisoHá 22 anos no STF, o ministro
Marco Aurélio Mello é
um dos raros magistrados que abriu mão de usar o recesso para analisar o
processo que irá julgar políticos influentes, como o ex-chefe da Casa
Civil
José Dirceu e o presidente nacional do PTB,
Roberto Jefferson.
Antepenúltimo ministro a votar no julgamento, Marco Aurélio afirma
que pretende se manifestar de improviso diante dos colegas. "O mensalão,
para mim, é um processo como qualquer outro. Vamos aguardar para ver o
que o procurador-geral da República conseguiu demonstrar. A prova da
culpa cabe ao Ministério Público, e não à defesa", observou.
Fabiano Costa /
Do G1, em Brasília