BRT, tardias saudações
Projeto mal planejado e executado na base da gestão por soluços, o BRT já consumiu mais de R$ 400 milhões e ainda chega incompleto e com um atraso de 30 anos como solução mágica para os graves problemas de mobilidade urbana da capital paraense. Os gargalos do trânsito caótico/neurótico de Belém que a todos aprisiona remete a pelo menos cem anos de solidão em termos de gestão pública eficaz.
Trata-se da cultura do atraso, que resulta das brigas paroquiais em torno do poder e não do bem estar da sociedade, que elege e que banca os seus caricatos representantes municipais, estaduais e federais. A descontinuidade de projetos, obras e serviços resulta em desperdício de recursos públicos e defasagem no tempo e no espaço.
O Plano Diretor de Tráfego Urbano – PDTU dos japoneses da Jica - elaborado na década de 80, após seis meses de estudos dos fluxos do tráfego da cidade, também dimensionava os impactos de algumas medidas prováveis para solução do caos urbano, que então apenas começava a se delinear. Listaram obras e serviços que seriam prioritárias para evitar que a cidade "parasse" por volta do então distante ano de 2010, caso não fossem abertos novos corredores de tráfego e construídos elevados, viadutos e anéis viários nos principais gargalos do trânsito na região metropolitana de Belém.
Os anéis viários seriam erguidos no Entroncamento e em São Brás, de onde sairia a atual Estação Rodoviária para os lados do aeroporto e assim favorecer a interação entre os modais de transporte aéreo e rodoviário. Teríamos elevados nos cruzamentos da Almirante Barroso com Humaitá e Lomas, além de viadutos em outros cruzamentos estratégicos como o da Pedro Álvares Cabral com a Tavares Bastos. Terminais de Integração em São Brás (no lugar da Rodoviária) e na Praça Waldemar Henrique, de onde os passageiros seguiriam em ônibus jardineira para o entorno do centro histórico e do comércio, sem pagar nova passagem. As ruas do comércio seriam transformadas em calçadões, como áreas de lazer, sendo vedado o trânsito de veículos automotores. Como, aliás, ocorre em todas as grandes cidades.
Como se constata, nada do que foi planejado acabou realizado e a cidade caminha para o estrangulamento total, com quase um milhão de veículos automotores circulando pelas mesmas vias entulhadas de carros e de estresse. Algumas obras cosméticas continuam sendo executadas em ano eleitoral, na base da pressa, que costuma ser inimiga da qualidade e do bom acabamento em obras públicas.
A melhor solução para os problemas de mobilidade urbana sempre esteve ali nas águas abundantes que banham a cidade. O problema é que os caras-pálidas" , por tola presunção, não procuram aprender com os índios o caminho das águas. Quando aqui aportou o "desbravador" Pedro Teixeira já encontrou uma comitiva de recepção formada pelos índios Tupinambás em seus ágeis caíques. O poeta Ruy Barata também cantava que "os rios são nossas ruas'. Hoje os donos da cidade são também os donos de ônibus, coronéis do atraso, que não desejam operar uma linha fluvial urbana bem mais agradável (porque sem poluição) e menos onerosa. Mas eles simplesmente não querem e também não saem de cima, ou seja, sabotam todas as licitações que a PMB porventura venha a fazer para exploração desse modal. E os prefeitos também não tem autoridade sobre eles para determinar a abertura de licitação com abrangência nacional e internacional. Os chineses, por exemplo, estão muito interessados em investir no transporte fluvial no Pará.
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O BRT meia-sola inaugurado em grande estilo e com muitas “selfies”de prestativos DAS, a um custo astronômico, vai ter sua serventia em dias de jogos do Remo e Paissandu para levar os torcedores até o Mangueirão. No dia a dia do conturbado tráfego da cidade, porém, vai ser de pouca eficácia para desafogar o pesado tráfego e estressante trânsito de Belém.
Os mestres Nagib Charone (Planejamento Urbano) e Lúcio Flávio Pinto (Jornalismo) foram alvo de insultos nas redes sociais apenas porque ousaram estimular o debate em torno de soluções alternativas para o caos urbano estabelecido, duvidando da eficácia do BRT como solução mágica, nos moldes em que foi construído em Belém, com defasagem de no mínimo 20 anos.
O debate sobre outras alternativas e soluções para a cidade deveria ser estimulado em audiências públicas promovidas pelo Ministério Público, com a participação não só de especialistas, mas, também, dos usuários do transporte coletivo como donas de casa, trabalhadores, lideranças comunitárias entre outros segmentos da sociedade paraense.
Sem a integração entre modais de transporte, implantação da linha fluvial urbana interligando a capital a Mosqueiro/Outeiro/Icoaraci e ilhas , com terminais hidroviários e bilhete único, caminharemos para o caos urbano total. As vias de uma cidade são como as veias do corpo humano: quando elas entopem todo o organismo entra em colapso. É o caso de Belém.
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