BRT, tardias saudações
Do leitor, jornalista Francisco Sidou, por e-mail:
Projeto mal planejado e executado na base da gestão por soluços, o BRT
já consumiu mais de R$ 400 milhões e ainda chega incompleto e com um
atraso de 30 anos como solução mágica para os graves problemas de
mobilidade urbana da capital paraense. Os gargalos do trânsito
caótico/neurótico de Belém que a todos aprisiona remete a pelo menos cem
anos de solidão em termos de gestão pública eficaz.
Trata-se da cultura do atraso, que resulta das brigas paroquiais em
torno do poder e não do bem estar da sociedade, que elege e que banca os
seus caricatos representantes municipais, estaduais e federais. A
descontinuidade de projetos, obras e serviços resulta em desperdício de
recursos públicos e defasagem no tempo e no espaço.
O Plano Diretor de Tráfego Urbano – PDTU dos japoneses da Jica -
elaborado na década de 80, após seis meses de estudos dos fluxos do
tráfego da cidade, também dimensionava os impactos de algumas medidas
prováveis para solução do caos urbano, que então apenas começava a se
delinear. Listaram obras e serviços que seriam prioritárias para evitar
que a cidade "parasse" por volta do então distante ano de 2010, caso não
fossem abertos novos corredores de tráfego e construídos elevados,
viadutos e anéis viários nos principais gargalos do trânsito na região
metropolitana de Belém.
Os anéis viários seriam erguidos no Entroncamento e em São Brás, de onde
sairia a atual Estação Rodoviária para os lados do aeroporto e assim
favorecer a interação entre os modais de transporte aéreo e rodoviário.
Teríamos elevados nos cruzamentos da Almirante Barroso com Humaitá e
Lomas, além de viadutos em outros cruzamentos estratégicos como o da
Pedro Álvares Cabral com a Tavares Bastos. Terminais de Integração em
São Brás (no lugar da Rodoviária) e na Praça Waldemar Henrique, de onde
os passageiros seguiriam em ônibus jardineira para o entorno do centro
histórico e do comércio, sem pagar nova passagem. As ruas do comércio
seriam transformadas em calçadões, como áreas de lazer, sendo vedado o
trânsito de veículos automotores. Como, aliás, ocorre em todas as
grandes cidades.
Como se constata, nada do que foi planejado acabou realizado e a cidade
caminha para o estrangulamento total, com quase um milhão de veículos
automotores circulando pelas mesmas vias entulhadas de carros e de
estresse. Algumas obras cosméticas continuam sendo executadas em ano
eleitoral, na base da pressa, que costuma ser inimiga da qualidade e do
bom acabamento em obras públicas.
A melhor solução para os problemas de mobilidade urbana sempre esteve
ali nas águas abundantes que banham a cidade. O problema é que os
caras-pálidas" , por tola presunção, não procuram aprender com os índios
o caminho das águas. Quando aqui aportou o "desbravador" Pedro Teixeira
já encontrou uma comitiva de recepção formada pelos índios Tupinambás
em seus ágeis caíques. O poeta Ruy Barata também cantava que "os rios
são nossas ruas'. Hoje os donos da cidade são também os donos de ônibus,
coronéis do atraso, que não desejam operar uma linha fluvial urbana bem
mais agradável (porque sem poluição) e menos onerosa. Mas eles
simplesmente não querem e também não saem de cima, ou seja, sabotam
todas as licitações que a PMB porventura venha a fazer para exploração
desse modal. E os prefeitos também não tem autoridade sobre eles para
determinar a abertura de licitação com abrangência nacional e
internacional. Os chineses, por exemplo, estão muito interessados em
investir no transporte fluvial no Pará.
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O BRT meia-sola inaugurado em grande estilo e com muitas “selfies”de
prestativos DAS, a um custo astronômico, vai ter sua serventia em dias
de jogos do Remo e Paissandu para levar os torcedores até o Mangueirão.
No dia a dia do conturbado tráfego da cidade, porém, vai ser de pouca
eficácia para desafogar o pesado tráfego e estressante trânsito de
Belém.
Os mestres Nagib Charone (Planejamento Urbano) e Lúcio Flávio Pinto
(Jornalismo) foram alvo de insultos nas redes sociais apenas porque
ousaram estimular o debate em torno de soluções alternativas para o caos
urbano estabelecido, duvidando da eficácia do BRT como solução mágica,
nos moldes em que foi construído em Belém, com defasagem de no mínimo 20
anos.
O debate sobre outras alternativas e soluções para a cidade deveria ser
estimulado em audiências públicas promovidas pelo Ministério Público,
com a participação não só de especialistas, mas, também, dos usuários do
transporte coletivo como donas de casa, trabalhadores, lideranças
comunitárias entre outros segmentos da sociedade paraense.
Sem a integração entre modais de transporte, implantação da linha
fluvial urbana interligando a capital a Mosqueiro/Outeiro/Icoaraci e
ilhas , com terminais hidroviários e bilhete único, caminharemos para o
caos urbano total. As vias de uma cidade são como as veias do corpo
humano: quando elas entopem todo o organismo entra em colapso. É o caso
de Belém.