sexta-feira, 15 de julho de 2011

Pode uma sociedade em recuperação judicial participar de licitações?

Gianmarco Loures Ferreira (*)
Você, empresário que tenta reerguer o seu negócio, se depara com o anúncio de uma grande contratação pública justamente na sua área de atividades. Grande oportunidade de negócios, não é? O problema é que o contratante é o Poder Público e o processo licitatório requer uma análise pormenorizada do Edital.
Ainda sem desistir da empreitada, você se depara com a seguinte exigência: certidão negativa de falência ou recuperação judicial. Falência, tudo bem, afinal de contas é justificável afastar da concorrência possíveis licitantes em aguda crise financeira. Por outro lado, você sabe que apesar de seu momento ser delicado ele já se encontra equacionado, com a homologação do seu Plano de Recuperação. E, nos termos do edital, ainda assim, se vê impedido de participar do certame...
Seria hora de se perguntar: tal exigência tem amparo legal?
Afinal de contas, o art. 31, II, da Lei Federal nº 8.666, de 1993, a Lei de Licitações, admite a exigência de certidão negativa para falência e concordata Quanto à recuperação judicial, não há qualquer menção.
Portanto, apenas por meio de analogia é que se tem feito tal exigência. Mas, repita-se, é possível fazer tal interpretação? Afinal de contas, a própria Constituição Federal de 1988 diz que somente a lei poderá prever exigências de qualificação econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. E, não estando na lei, como ampliar as exigências para contemplar hipóteses ali não previstas?
Duas linhas de entendimento se abrem em face destas questões. A primeira, a considerar que, não obstante algumas diferenças, a recuperação judicial veio a suceder a antiga concordata, daí, não havendo, de fato, uma analogia, mas, tão somente, uma interpretação evolutiva do instituto. Algo nos mesmos termos da exigência legal de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes - CGC e que é entendida, sem problemas, como inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ (art. 29, I, da Lei de Licitações).
A segunda, no sentido de ser a recuperação instituto absolutamente diverso da antiga concordata e por isso não se poder restringir onde a lei não o fez, ainda mais considerando as inúmeras alterações sofridas pela Lei de Licitações, que é de 1993, posteriormente à Nova Lei de Falências, que é de 2005.
A primeira corrente vinha prevalecendo quase que sem oposição, afastando, assim, inúmeros possíveis licitantes. Entretanto, muito recentemente, algumas decisões judiciais, ainda de 1ª Instância, tem abrandado o rigor da exigência, permitindo, portanto, que empresas em recuperação judicial venham a ser admitidas nos certames.
A questão, na verdade, não é nova. De fato, desde o antigo Decreto-Lei Federal nº 7.661, de 1945, conhecido como “Lei de Falências”, alguns autores já entendiam ser possível que empresas concordatárias viessem a ser habilitadas, mesmo contra a previsão expressa do art. 31, II, da Lei Federal nº 8.666, de 1993.
O fundamento para tanto é que a concordata não era sinônimo de quebra, antes, ao contrário, significava apenas uma momentânea iliquidez, passível de superação com a manutenção dos negócios jurídicos e a renegociação da dívida. Raciocínio este, aliás, plenamente aplicável à recuperação judicial.
Por isso, seria inadequada a limitação do universo de licitantes a priori, pois a concordata e, atualmente, a recuperação, por si, não dificultam ou impedem a execução do contrato.
Afinal de contas, o que tem levado às más contratações públicas do ponto de vista econômico não é a existência de uma certidão positiva, mas, na verdade, as efetivas indicações de fragilidade da saúde financeira da empresa, facilmente verificáveis por meio da exibição do balanço patrimonial e de seu índice de liquidez.
Também tem reforçado esta posição a própria previsão da Nova Lei de Falências, que, em seu art. 52, II, dispõe que o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial, determinando a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público.
Mesmo porque, o que é inafastável é a comprovação de regularidade fiscal do licitante com a Fazenda Pública, não com credores particulares, daí a razão da exceção acima. Mas, com razão, não afastando de qualquer forma a possibilidade de contratação pública.
Dessa forma, em face de um Edital de licitações que exija certidão negativa de recuperação judicial para a habilitação, caso você se assegure de que é capaz de cumprir o objeto contratual, deverá se perguntar se tal restrição deve prosperar e, em caso negativo, seguir na busca de seus direitos.

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