quinta-feira, 16 de junho de 2011

Morre o profeta de Nova Iguaçu


Ana Sara e Michel exibem o carro e a túnica usados pelo pai, o profeta de Nova Iguaçu. Foto: Roberto Moreyra
Marcelo Dias
Tamanho do texto A A A
O profeta de Nova Iguaçu previu a própria morte, mas não a promessa não cumprida do senador Lindbergh Farias. Pastor por vocação, mesmo sem ligação com qualquer igreja, João Raimundo Soares de Mello morreu neste sábado (11), aos 78 anos. A bordo de um velho Fiat 147 e vestindo uma túnica pregando a volta de Jesus Cristo, ele contava havia um ano que morreria em pouco tempo.
Famoso na cidade, era comparado a outro profeta das ruas, José Datrino, o Gentileza. Os dois, aliás, chegaram a se esbarrar em pregações no Rio, onde João Raimundo morou até os anos 1970.
— Eu me lembro que o Gentileza veio aqui com meu pai e parecia o Moisés, com aquelas tábuas de dizeres enormes — conta um dos filhos do profeta da Baixada, o motorista Michel Tedeschio.
A passagem com Lindbergh Farias aconteceu nas eleições de 2010, quando o ex-prefeito pegou uma carona com o profeta.
— Ele lhe prometeu um carro novo, mas meu pai está esperando até hoje — diverte-se sua filha Ana Sara Tedeschio, que toca a banca evangélica do profeta, no Centro.
Lindbergh Farias nega a promessa, mas reverencia o velho profeta:
— Ele era uma pessoa maravilhosa, muito carismática. Eu devo ter prometido alguma ajuda sim, mas não um carro. Quem me dera!
Ok, o profeta perdoa. Em casa, aliás, havia dois 147, mas só um ainda servia como “profetamóvel”. As pregações de João Raimundo começaram em 1975, mas a pé, na Tijuca, na Zona Norte do Rio.
— Meu pai foi vendedor por 20 anos e largou tudo para pregar. Para se sustentar, era bancado por missões evangélicas estrangeiras. Ele começou entregando folhetos e, em 1978, comprou uma Variant azul. Mas havia um motorista que o levava. Só depois é que ele aprendeu a dirigir. Aí, veio o famoso 147, zero quilômetro, que ele amava e foi seguido por outros dez 147 dados por amigos, quando já não podia mais comprar um — conta Michel.
— A barba comprida surgiu em 1986. As pessoas sempre zombaram dele. Uma vez, eu era criança e jogaram uma pedra no carro que quase me atingiu — relembra Ana Sara.
Durante tantas pregações, houve também episódios cômicos, como da vez em que atazanou um guarda municipal.
— O guarda não permitiu que ele passasse com o carro numa rua de pedestres e que o rebocaria se insistisse. Daí, meu pai se ajoelhou diante dele e começou a falar bem alto que Jesus voltaria. O guarda o deixou falando sozinho para que se cansasse. Que nada! Foi assim a manhã inteira, até que o sujeito desistiu e o deixou pregar ali — lembra Michel.
João Raimundo morreu no Hospital Getúlio Vargas, no Rio, após passar quatro meses em coma, por complicações intestinais e pulmonares.
— Em junho de 2010, meu pai sonhou com um anjo anunciando que ele faria uma viagem e contava a todos que estava próxima. Ele sabia que ia morrer, mas ninguém acreditva. Um amigo queria lhe dar outro 147 e ele o recusou dizendo que não precisaria mais. Ele pregou até o último dia com o carro e parou só para se internar — conta Ana Sara.
O profeta foi enterrado no cemitério municipal, com um paletó bordado com os dizeres “Jesus Cristo voltará”, os mesmosque usava em sua túnica.
Mas e o velho carro?
— Um camarada veio aqui dizendo que gostaria de prosseguir com o trabalho dele, mas não estamos certos disso — diz Michel.
E quem pensa que não verá mais um profeta nas ruas está enganado.
— A gente até brinca que ele é o discípulo de meu pai. A diferença é que ele anda pela cidade de bicicleta — conta Ana Sara.

Nenhum comentário:


Fornecido Por Cotação do Euro